De manhã, acordei com os pássaros a chilrear e por momentos temi que
Edmund me tivesse abandonado, mas o grifo ainda se encontrava deitado atrás
de mim e o rapaz encontrava-se a poucos metros de mim a comer uma maçã.
-Bom dia – disse ele.
-Bom dia – cumprimentei.
-Estás melhor? – perguntou ele. Tentei levantar-me, mas ainda me doía a
perna – acho que isso responde há minha pergunta.
O sol ainda não ia alto, pelo que ainda devia ser muito cedo. Ele
estendeu-me uma maçã, que eu comi.
-Agora é melhor voltarmos a montar no grifo e procurar os outros.
Devem ir mais à frente na floresta em direção à caverna de Aslan – declarou Edmund.
-Certo – concordei. Desta vez, Edmund sentou-se no grifo e eu atrás
dele, segurando a sua cintura. O animal levantou voo, batendo as suas grandes
asas e dali a instantes sobrevoávamos o arvoredo, olhando para baixo à procura
de sinais dos outros. Detestava não saber nada de Ben, e o mesmo se devia
passar com Edmund em relação aos seus irmãos.
Por fim, avistámos um grande “desfile” de narnianos a furarem a
floresta. Eram poucos comparados com os que tinham partido no dia anterior para
invadir o castelo, mas mesmo assim eram muitos. O grifo avançou por cima do
desfile, aterrando no início deste, onde caminhavam os irmãos Pevensie, Caspian…
e Ben. Este veio a correr ter comigo, abraçando-me.
-Estás ferida? – perguntou.
-Não é nada. E tu?
-Não – Ben ajudou-me a sair do grifo, que voltou a levantar voo e nos
acompanhou voando por cima de nós.
-Estiveram juntos este tempo todo? – inquiriu Peter, sorrindo.
-O Edmund tirou-me do castelo, pois o meu centauro foi atingido e
golpearam-me a perna, de modo que não conseguia andar. Ele desceu com o grifo e ajudou-me a montá-lo.
Peter e Susan trocaram um olhar cúmplice, mas Ben fez um ar irritado.
-Ele não te magoou, pois não? – interpelou.
-Ele salvou-me, Ben – afirmei.
-Não foi nada demais – alegou Edmund.
-O Asaf? – perguntei de súbdito. Caspian e os Pevensie olharam-me,
confusos, e Ben nunca mais o vira assim que entráramos no castelo, mas um fauno ali perto disse-me:
-Asaf Jovia? Eu estava a lutar ao lado dele. Lamento… vi-o cair no chão…
Engoli em seco, uma lágrima ameaçando escorrer-me pela cara. Só eu e Ben o
tínhamos conhecido, e ia sentir a falta dele.
-Lamento – declarou Susan, amigavelmente.
-É melhor ires montada num centauro, se não consegues andar – proferiu Caspian,
após um silêncio – Ben, ajuda-me.
Antes de saber o que estava a acontecer, Ben e Caspian pegaram-me e
colocaram-me num centauro. Sentei-me e tentei esquecer que sentia falta de me
agarrar à cintura de Edmund, além de Asaf ter falecido. Depois a parada
recomeçou a andar. Por vezes apanhava Edmund a olhar para mim e outras vezes
dava por mim a olhar para a sua nuca e era geralmente nessas alturas que Edmund
olhava para trás, para mim, o que me fazia corar. Continuámos
a caminhar durante algum tempo e por fim avistámos a orla da floresta, o prado
e a caverna de Aslan. Vários narnianos esperavam-nos e Lucy veio a correr de
dentro da caverna.
-Que aconteceu? – perguntou ela. Peter, com fervor na voz,
respondeu-lhe:
-Pergunta-lhe a ele – e fez um movimento com a cabeça em direção a
Caspian. Percebi que algo me escapara e que havia ali coisa. Algo no plano devia ter corrido mal e agora Peter e Caspian não se podiam ver.
-Peter – chamou Susan, defendendo Caspian, o que me fez reforçar a
minha teoria de que ela podia gostar dele.
-Eu? – questionou Caspian, olhando Peter com raiva – tu podias ter ripostado. Ainda havia tempo.
-Não, não havia – replicou Peter – graças a ti. Se te tivesses
restringido ao plano, aqueles soldados ainda poderiam estar vivos.
-E se tu tivesses ficado aqui como eu sugeri, de certeza que eles
estariam aqui agora! – argumentou Caspian.
-Tu é que nos chamaste, lembras-te? – acusou Peter.
-O meu primeiro erro – disse Caspian, e apesar de saber que ele só
estava enervado e que provavelmente não queria dizer aquilo, fiquei magoada.
-Não! – contrapôs Peter – o teu primeiro erro foi pensares que conseguias
lidar este povo!
Peter virou-lhe costas, mas Caspian chamou-o e Peter virou-se novamente
para ele.
-Ei, não fui eu que abandonei Nárnia! – culpou Caspian.
-Tu invadiste Nárnia – incriminou Peter e Caspian passou por ele como
um furacão – não tens mais direitos do que Miraz tem! Tu, ele, o teu pai…
Nárnia está melhor sem vocês todos!
Caspian parou quando ouviu as palavras “o teu pai”. Depois virou-se
para Peter, desembainhando a espada e Peter fez o mesmo, ambos a apontar as espadas
ao pescoço um do outro.
Pararam quando Glenstorm se chegou à frente, com Trumpkin, o anão louro,
nas suas mãos. Edmund ajudou-o a colocá-lo no chão.
Lucy correu para Trumpkin, desenroscando o seu frasco de sumo de flores
de fogo e deitando uma gota na boca dele.
Depois, lentamente, Trumpkin abriu os olhos, dizendo:
-O que é vocês estão todos aí a fazer, parados, a olhar? Os telmarinos vão chegar não tarda nada.
Lucy sorriu para Trumpkin.
-Obrigado, minha querida pequena amiga - agradeceu-lhe ele.
-Lu, dá um pouco do sumo à Melanie - disse Edmund, ajudando-me a sair do centauro.
Ben amparou-me e Lucy colocou uma gota de sumo de flores de fogo na ferida do meu pescoço, fazendo desaparecer aí a dor. Depois desenrolou a ligadura feita do pedaço de camisa de Edmund, olhando-o com um sorriso. Deitou também uma gota na minha perna direita e senti-me melhor, já conseguindo andar sozinha.
-Desde quando é que tens duas espadas? - interpelou Ben, olhando para o coldre que eu tinha à cintura. Retirei primeiro a espada que Peter me dera, estendendo-lha.
-Obrigada, mas já não preciso dela.
Ele pegou-lhe, e depois desembainhei a espada que Edmund me oferecera.
-Uau - exclamaram várias vozes. Eu e Edmund trocámos um olhar cúmplice, mas acho que Lucy e Susan repararam.
-Se não se importam, preciso... de dar uma volta - declarei. Os outros olharam-me compreensivamente. Não me afastei da caverna, ficando por ali perto. Perguntei-me se Asaf teria tido uma morte rápida ou se fora lenta e dolorosa. Não conseguia evitar pensar nisso. Depois, os meus pensamentos desviaram-se para outra pessoa. Não sabia o que estava a sentir em relação a ele. Num momento parecia distante, no outro era tão amável... apercebi-me que nem sequer sabia as razões porque Edmund e Ben costumavam lutar na escola. Porque é que ele tinha de ser tão complicado?
Enquanto pensava nisto, chegaram-me vozes trazidas pela brisa fresca.
-Então foi por isso que os outros viram todas aquelas luzes confusas? - distingui a voz de Susan - porque deixaste cair a lanterna?
Houve um silêncio, e depois a pessoa em quem eu tinha estado a pensar falou:
-Sim... estava distraído... na verdade, estava a pensar na discussão que tinha tido com a Melanie e em como ela se podia magoar.
-Ela não te sai da cabeça - gracejou Susan.
-De qualquer maneira - afirmou Edmund - a lanterna caiu ao pé de um guarda que a apanhou e, não sabendo o que aquilo era, pôs-se a brincar com ela e a ligá-la e a desligá-la, e foram essas as luzes que os narnianos viram.
Arregalei os olhos quando compreendi. Nós, os narnianos, à espera do sinal de Edmund para entrar no castelo de Telmar, víramos umas luzes confusas e indistintas e decidíramos esperar por novo sinal. Agora sabia que essas luzes tinham sido provocadas porque Edmund tinha estado a pensar em mim.
-Depois consegui combater o guarda e apanhar a lanterna, dando um novo sinal e foi aí que os narnianos avançaram para o castelo - finalizou Edmund.
-O plano foi um fracasso e agora o Peter e o Caspian não param de pôr as culpas em cima um do outro - lamentou-se Susan.
-Nem tudo pode correr bem, essa é a verdade, mas não podemos desanimar. A guerra entre Nárnia e Telmar vai estalar em breve e temos de estar preparados - indagou Edmund.
-Agora falaste como um verdadeiro Rei - proferiu Susan. Nessa altura, as vozes aproximavam-se e decidi ir-me embora. Já ouvira coisas que não era suposto ter ouvido. Afastei-me em direção à entrada da caverna, o coração a bater forte no peito.
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