sábado, 8 de março de 2014

Caspian X

O anão referira-se à trompa de Susan, que o príncipe de Telmar, Caspian, X soprara. A trompa era mágica e servia para pedir ajuda, por isso é que os irmãos Pevensie tinham vindo para Nárnia e também devia ser por isso que eu Ben ali estávamos. 
Utilizámos o barco dos telmarinos para navegar por um rio calmo, mirando a paisagem à nossa volta. Eu e Ben encontrávamo-nos na parte detrás do pequeno barco, conversando os dois. Ouvíamos os Pevensie e o anão a falarem entre si, mas nenhum de nós lhes estava a aprestar atenção.


-Isto é tudo tão estranho não é? – sussurrou ele – há poucas horas estávamos em Londres, na estação e agora estamos a navegar num rio com os reis e rainhas de Nárnia e um anão narniano.
-Tens razão, mas fico feliz que isto tenha acontecido – confessei. Ele sorriu.
-Eu também. Mas para dizer a verdade, ainda me parece tudo um sonho – comentou ele.
-Então espero não acordar tão cedo – admiti. Olhei para a frente do barco, apercebendo-me que os meus olhos vagueavam sobre o cabelo de Edmund. Ele virou-se para mim e eu desviei o olhar. Fitei a água, sentindo-me embaraçada por ele me ter apanhado a observá-lo. Que pensaria ele?
Atracámos o barco num areal cheio de pedras. Ao longe, avistámos um urso preto e Lucy encaminhou-se na direção dele.


-Olá! - acenou ela - está tudo bem... somos amigos. 
-Não se mova, majestade! - gritou o anão.
O urso começou a correr na direção de Lucy e Susan preparou-se para lhe lançar uma seta. 
-Fica longe dela! - ordenou Susan.
-Susan, lança!  - gritou Edmund. Lucy tropeçou nas pedras do areal e o urso elevou-se, preparando-se para a atacar. Depois, uma seta acertou no urso. Olhei para trás. O anão, que se chamava Trumpkin, acertara-lhe em cheio.
-Porque é que ele não parou? - inquiriu Susan.
-Suponho que estava com fome – respondeu Trumpkin com voz amarga.
-Obrigada – agradeceu Lucy ao anão.
-Ele era selvagem – constatou Edmund.
-Não me parece que ele conseguisse falar, de todo – arriscou Peter.
-Sê tratado como um animal estúpido durante tempo suficiente e é nisso que te tornas – indagou Trumpkin com amargura – podem encontrar Nárnia mais selvagem do que aquilo que se lembram.
-Nós não – alvitrei, recebendo olhares estranhos por parte de todos menos de Ben – desculpem.
Começámos a caminhar em direção à floresta. Estranhamente, Ben estava a falar com Peter, mas também Ben só era rival de Edmund, não de Peter. Lucy e Susan falavam com Trumpkin e eu ia atrás deles, a tentar ler o livro enquanto caminhava pela vegetação.
-Vê lá se cais – disse uma voz há minha frente. Como que a responder, tropecei numa pedra mas ele agarrou-me. O meu livro embateu no peito dele e ele segurou-me pelos cotovelos.
-Obrigada – murmurei. Edmund sorriu.
-De nada.
-Que é que estão os dois pombinhos a fazer aí atrás? – perguntou Lucy, com um sorriso nos lábios.
-Lucy! – protestou Edmund e afastámo-nos os dois. Fui ter com Ben, que parecia zangado.
-Que é que estavas a fazer com ele, realmente?
-Eu tropecei e ele segurou-me, só isso – respondi.
-Só isso? – Ben arqueou uma sobrancelha. Deitei-lhe um olhar zangado e ele desistiu.
-Não me lembro deste caminho – proferiu Susan ao fim de algum tempo.
-Esse é o problema com as raparigas – sorriu Peter – não conseguem carregar um mapa dentro da cabeça.
-Isso é porque as nossas cabeças têm alguma coisa lá dentro – replicou Lucy, sorrindo. Ela era uma rapariga muito sorridente e corajosa, não havia dúvidas.
-Eu gostava que ele desse ouvidos ao QPA em primeiro lugar – suspirou Susan.
-QPA? – interrogou Edmund, confuso.
-Querido Pequeno Amigo – esclareceu Lucy, olhando para Trumpkin.
-Isso não é nada lisonjeador, pois não? – reclamou ele.
-Não estou perdido – disse Peter, mais para si próprio do que para os outros.
-Não, só estás a ir na direção errada – afirmou Trumpkin. Ele e Peter continuaram a discutir sobre que caminho deveriam seguir. Chegámos a um penhasco, onde por baixo havia um rio. Preparávamo-nos para ir embora quando Lucy exclamou:
-Aslan! É o Aslan, ali! – disse ela, apontando para a outra encosta, que o rio separava da nossa. Olhei para lá, mas não vi nada a não ser árvores – não o vêm? Ele está mesmo… ali...
-Vê-lo agora? – interpelou o anão.
-Eu não estou maluca, ele estava ali. Queria que o seguíssemos - teimou Lucy.
-Tenho a certeza de que há mais leões na floresta, tal como aquele urso – declarou Peter.
-Eu consigo reconhecer o Aslan quando o vejo – argumentou Lucy.
-Eu não vou saltar de um penhasco por alguém que não existe – fez Trumpkin ver. Ele, Ben e eu nunca o víramos.  
-A última vez que não acreditei na Lucy acabei por fazer figura de parvo – comentou Edmund.
-Porque é que eu não o haveria de ver? – questionou Peter.
-Talvez não estivesses a olhar – respondeu Lucy. Parecia triste por não acreditarem nela.
-Desculpa, Lu – disse Peter, voltando-se para caminhar pela floresta. Seguimo-lo.
-Eu acredito em ti – declarei a Lucy.
-A sério? Ou só estás a dizer isso para eu me sentir melhor? – perguntou ela.
-A sério. Eu nunca o vi, mas sei que eras a mais próxima a Aslan. Talvez ele quisesse que fosses a única a vê-lo – sugeriu eu. A cara dela iluminou-se e ela abraçou-me subitamente. Abracei-a de volta. Depois olhei em frente. Edmund observava-nos. Pronunciou com a boca a palavra “Obrigado” e eu encolhi os ombros. Não fizera nada demais. Encaminhámo-nos para um forte, em Beruna, uma região ali perto. Escondidos atrás de troncos, vimos telmarinos ao longe, com lenha e armamento, a preparem-se para a batalha contra os narnianos.
-Talvez este não tenha sido o melhor caminho, afinal de contas – confessou Susan e nós concordámos, embrenhando-nos novamente na floresta. Regressámos ao penhasco e conseguimos descê-lo com muito cuidado. Como já era quase noite, Peter fez uma fogueira na floresta e aí acampámos.

*

No dia seguinte, Ben acordou-me. Susan, Edmund e Trumpkin já estavam de pé, mas não havia sinais de Peter e Lucy e os outros pareciam preocupados. De repente, ouvimos lâminas de espadas a bater uma na outra. Fomos até ao local da confusão. Eu e Ben abrimos a boca de espanto ao ver a quantidade de narnianos na floresta. Eram centauros, gigantes, minotauros, anões, animais de todos os tipos e rodeavam Peter e outro rapaz, moreno e de olhos castanhos, que esgrimiam entre si. O rapaz não devia ser mais velho que Peter e era bem giro, tinha de admitir.


-Peter! – Susan gritou e o rapaz que lutava com Peter olhou-o atentamente.
-Alto-Rei Peter? – perguntou ele – sou Caspian X, de Telmar.
-Acredito que nos chamaste – confirmou Peter. Então aquele é que era Caspian! Parecia estar do lado dos narnianos, por isso não percebi porque tinha estado a lutar com Peter.
-Bom, sim… mas pensei que fossem mais velhos – referiu Caspian.
-Podemos voltar daqui a alguns anos, se quiseres – comentou Peter, sarcasticamente, preparado para dar meia volta e ir-se embora.
-Não, não… está tudo bem… é só que… vocês não são exatamente aquilo que esperava – admitiu Caspian, olhando atentamente para cada um dos Pevensie, o seu olhar a demorar-se em Susan.
-Nem vocês! – exclamou Edmund, olhando preocupado para um minotauro. Percebi o que ele queria dizer, pois os minotauros tinham lutado contra Aslan e contra os Pevensie na batalha contra a feiticeira Branca, uma vez que haviam lutado ao lado dela.
-Um inimigo em comum une até os mais antigos dos rivais – declarou um texugo solenemente. Edmund trocou um breve olhar com Ben, o que me fez sorrir. Isso captou a atenção do texugo, do rapaz e dos restantes narnianos para mim, o que provavelmente me fez corar.
-E quem são vocês dois? Mais reis de Nárnia? – inquiriu Caspian.
-Chamo-me Ben Stanler e esta é a minha irmã, Melanie. Não somos reis, nem nada que se pareça. Viemos com os Pevensie – afirmou Ben.
-Então também foram chamados? – questionou um centauro.
-Parece que sim – concordou o meu irmão.
-E de que nos são úteis? – perguntou um anão de barba preta e aspeto medonho. Ben preparava-se para responder quando a última pessoa que eu pensei que fosse interceder por nós falou:
-São bons a esgrimir. Ela, especialmente – declarou Edmund. Cravei os olhos no chão.
-Nós esperámos ansiosamente o vosso retorno, suas majestades – disse um rato pequeno armado com uma mini espada, ao fim de algum tempo – os nossos corações e espadas estão ao vosso serviço.
-Oh meu Deus, ele é tão fofo – sussurrou Lucy a Susan.
-Quem disse isso? – exaltou-se o rato, olhando à sua volta, furioso. Quando Lucy se desculpou, o rato retrocedeu – oh, sua majestade… com o maior dos respeitos… acredito que corajoso, cavalheiro ou cortês definiriam melhor um cavaleiro de Nárnia.
-Bom, ao menos sabemos que alguns de vocês conseguem esgrimir – comentou Peter. Não parecia muito contente com a presença de Caspian e o mesmo sentia Caspian em relação a Peter.
-Sim, de facto – continuou o rato – e tenho adquirido armas para o seu exército, senhor.
-Boa. Porque vamos precisar de cada espada que conseguirmos arranjar – detalhou Peter com voz solene.
-Então provavelmente queres a tua de volta – sorriu Caspian, estendendo a Peter a respetiva espada que eu nem reparara que Caspian lhe conseguira tirar durante o duelo. 

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