Eu e Ben saímos daquela sala e voltámos à sala principal, eu sem saber o
que havia de fazer e o que estava a sentir. E tudo por causa de Edmund. Ficara
intrigada pelo facto de ele se opor a eu ir com eles atacar o castelo de
Telmar, para não falar que ficara magoada. Ben, despassarado como era, não
notou nada e foi com Caspian e Peter arranjar uma armadura que lhe servisse.
Era suposto eu ir ter com Susan e Lucy para elas me arranjarem uma, mas Lucy
fora à procura de Edmund e Susan não se via em lado nenhum.
-Se quiseres, vai um bocadinho lá fora apanhar ar – sugeriu-me Asaf,
cuja bancada onde trabalhava reluzia de espadas forjadas – mas tem cuidado e
não te afastes da entrada da gruta, não se sabe se pode haver telmarinos na
floresta.
-Sim, acho que o ar fresco me vai fazer bem – concordei.
-Mas não te demores, tens de preparar-te para o ataque ao castelo –
aconselhou Asaf.
-Claro, se o rei Edmund me der permissão – afirmei, num tom seco. Asaf
esboçou um sorriso compreensivo e eu, com a espada que Peter me dera na Câmara
de Tesouros em Cair Paravel à cintura, encaminhei-me lá para fora. Passava
pouco do meio-dia e o sol erguia-se no céu, radiante e esplendoroso, ofuscando-me durante momentos. Estava
calor e não havia brisas frescas, mas continuei. Em vez de caminhar em frente, afastei-me para o lado direito, abrigando-me na sombra da colina.
-Foi a Lucy que te pediu para vires? – perguntou uma voz. Olhei,
sobressaltada, para cima, vendo Edmund sentado na rocha acima da minha cabeça.
-Nem sequer sabia que estavas aí. Foi o Asaf que me aconselhou a vir
apanhar ar – repliquei.
-Asaf? – Edmund arqueou uma sobrancelha.
-É um rapaz natural de Calormen, mas agora forja armas para os
narnianos – declarei.
-Ah, e é teu amigo? – questionou ele, saltando da rocha para o chão.
Era uma altura considerável, mas Edmund aterrou agilmente na relva do prado. Raios, porque é que ele conseguia sempre fazer tudo bem?
-Ao menos ele não se opõe a eu ir ao ataque – afirmei.
-Como queiras, não vou discutir contigo. Mas não tens experiência desta
e isso vai prejudicar-te.
-Mas o Ben também não tem e tu não te opuseste a que ele fosse! –
exclamei.
-Mas eu não me importo com o Ben! – referiu ele, e pareceu-me
distinguir um leve rubor nas suas faces, ao mesmo tempo que o meu coração
começou a bater estupidamente mais depressa – porque, claro, tu és uma rapariga
e as raparigas não se devem magoar em guerras.
-Boa desculpa – cruzei os braços sob o peito, meditando se a parte de
eu ser rapariga era mesmo verdade ou se fora só uma desculpa que Edmund dera
para não admitir a verdadeira razão por que se importava realmente comigo.
-Juro que nunca conheci ninguém tão teimoso como tu! – proferiu Edmund,
o cabelo a cair-lhe para os olhos escuros.
-Espero que isso seja uma coisa boa – disse eu, com um ligeiro sorriso.
-Não vai ser quando te magoares – contrapôs ele – a tua teimosia pode
virar-se contra ti.
-Então vou provar-te que estás errado – declarei, com fúria na voz.
-Fico à espera que tentes – contestou ele, com igual raiva na voz.
Rodei sobre os calcanhares e dirigi-me pesadamente para o
interior da gruta.
-Ah, estás aqui! – exclamou Susan ao ver-me – andei à tua procura. A
Lucy encontrou uma armadura que acho que te vai servir. Também é melhor
treinares com a espada para te habituares a ela.
-E luto com quem?
-O teu irmão estava a treinar com o Peter, por isso podes treinar com o
Edmund ou o… o Caspian.
-Prefiro o Caspian – afirmei. Susan parecia um pouco ciumenta, mas eu
só escolhera Caspian porque naquele momento não tinha vontade nenhuma de ver
Edmund e ele provavelmente também não me queria ver.
Depois de vestir a armadura, que me servia, encaminhei-me para uma sala
iluminada por archotes onde Ben e Peter lutavam e onde se encontrava Caspian, à
minha espera.
-Preparada? – perguntou ele.
-Tu estás? – inquiri eu – muita gente não gosta de lutar comigo por ser
rapariga.
-Bom, eu costumo geralmente lutar com homens mais altos e fortes, mas
acho que consigo lutar contigo – sorriu Caspian, brincalhão.
-Oh, acho que vais arrepender-te de dizer isso – afirmou Ben,
aproveitando uma pausa no seu combate. Desembainhei a espada, segurando-a
firmemente. Caspian fez o mesmo, avançando para mim. Bloqueei o golpe e
avancei, e continuámos naquilo durante algum tempo. Depois também lutei com
Peter e com Ben. Não determinámos quem ganhou ou perdeu e trocámos dicas e
truques uns com os outros e ao fim da tarde fomos tomar uma refeição reforçada.
Edmund e eu não nos dignámos a olhar, quanto mais a falar-nos.
Por fim, Lucy desejou-nos boa sorte, pois ia ficar na caverna com a
maioria das mulheres, fêmeas e crianças e com outras criaturas que não podiam,
por vários motivos, participar no ataque, e ao cair da noite dirigimo-nos silenciosamente para o
castelo de Telmar, que era grande e imponente.
Acordou-se que os Pevensie e Caspian seriam levados para dentro do
castelo por hipogrifos. Edmund seria o primeiro a ser levado, para depois dar sinal, através da sua lanterna elétrica, a Susan, Peter e Caspian de que podiam ir. Depois, quando Edmund desse novo sinal, queria dizer que Susan, Peter e Caspian tinham conseguido abrir os portões pela parte de dentro e seria a nossa deixa para invadir o castelo.
Estava uma noite serena, mas enevoada e não consegui evitar sentir um aperto
no coração quando Edmund foi levado pelo hipogrifo para dentro
do castelo. Não sei se imaginei, mas pareceu-me ver Edmund a olhar para trás
enquanto voava seguro nas patas do hipogrifo, como se estivesse a olhar-me.
Dali a pouco tempo, viu-se uma luz a piscar, a luz da lanterna de Edmund, e Peter, Caspian e Susan foram levados pelos seus hipogrifos para dentro do castelo.
A partir dali só tínhamos de esperar pelo novo sinal de Edmund para podermos entrar no castelo, e comecei a ficar nervosa e impaciente. Esperámos durante um bom bocado, calados, quietos e de respiração suspensa. A certa altura viram-se luzes de lanterna, mas pareciam baralhadas e indistintas. Decidimos esperar por novo sinal, que demorou a chegar, mas finalmente viu-se. Assim, com Glenstorm, um dos centauros mais imponentes, Nikabrik e um minotauro, Asterius, na frente, e eu, Ben e Asaf montados em centauros cada um logo a seguir a eles, corremos em direção ao castelo, gritando "Por Nárnia! Por Aslan!".
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