-Não acredito que ainda está tudo aqui - murmurou Peter. Susan, Lucy e Edmund correram para as suas arcas.
-Aquelas estátuas são deles? - perguntou-me Ben num sussurro. Acenei afirmativamente com a cabeça. Os três irmãos mais novos abriram as suas arcas. Lucy retirou um vestido de dentro da arca bem maior que ela.
-Eu era tão alta - sorriu ela.
-Bem, tu eras mais velha na altura - disse Susan, sorrindo.
-Suponho que cem anos depois as pessoas ficam mais novas - riu Edmund. Peter ainda não fora à sua arca, pois ficara a ver um escudo de ouro com a cara de Aslan gravada. Lucy retirou de dentro da sua arca uma adaga e um frasco com um líquido vermelho-vivo. Susan retirou o seu arco com as suas flechas e Edmund uma espada prateada e brilhante que me cativou. Peter aproximou-se então da sua arca, retirando uma espada com um punho em forma de leão e um escudo com um leão vermelho gravado, que também me chamaram a atenção.
Adaga e frasco de Lucy
Arco e flechas de Susan e espada de Edmund
Escudo e espada de Peter
Eu e Ben olhámos com admiração para todos aqueles objetos até que Lucy perguntou a Susan:
-Que foi?
-A minha trompa. Devo-a ter deixado na minha sela. No dia em que voltámos - referiu a irmã mais velha.
-O Mal será Bem quando Aslan chegar. Ao seu rugido a dor fugirá. Nos seus dentes, o Inverno morrerá... - disse Peter, lendo a inscrição contida na sua espada.
-Na sua juba, a Primavera voltará - completou Lucy. Depois a sua cara ficou triste - toda a gente que conhecíamos... o Sr. Tumnus e os castores... foram-se todos.
-Acho que está na altura de descobrirmos o que se passou - afirmou Peter.
-Então e nós? - questionou Ben de súbito.
-Que foi? - interrogou Peter.
-Bom, nós... nunca viemos a... a Nárnia, não temos armas nem conhecemos este mundo, não devíamos ir embora? - perguntou Ben.
-Não podes ir embora enquanto fores preciso em Nárnia - declarou Susan.
-Não gostas de estar aqui? - inquiriu Lucy. Ben olhou para mim e pareceu meditar.
-Gosto, mas... não sei qual poderá ser a minha utilidade aqui - admitiu ele.
-Nós sabemos lutar - declarei - nunca lutámos com espadas verdadeiras, é verdade, mas andamos na esgrima. Isso tem de ser útil.
-Bom, só há uma maneira de testar se são mesmo bons - comentou Peter - e por acaso temos connosco o melhor esgrimista de Nárnia.
Revirei os olhos perante o seu tom convencido. Ele riu-se com a minha expressão.
-Não sou eu, Melanie. O Edmund - afirmou. Eu e Ben olhámos para Edmund, mas eu depressa desviei o olhar. Os seus olhos castanhos davam-me arrepios e eu ainda estava a tentar descobrir se eram arrepios bons ou maus.
-Então porque nunca usaste uma espada quando lutavas comigo? - sorriu Ben. Edmund revirou os olhos, mas sorriu levemente.
-Oh, não sei, talvez porque é pouco provável levar uma espada comigo para Inglaterra - respondeu ele. Peter dirigiu-se novamente à sua arca, retirando duas espadas de lá de dentro, entregando a mais pesada a Ben e a mais leve a mim. Sem ser o peso, pareciam iguais, ambas prateadas e simples.
-Não a subestimes só por ser rapariga - comentou Ben, com uma expressão divertida na cara - é uma das melhores esgrimistas na academia, melhor que muitos dos rapazes.
-Ai sim? - indagou Edmund, fitando-me - então luto com ela primeiro.
-Edmund... - disse Susan - é melhor não... espadas não são brinquedos, vocês podem magoar-se.
-Deixa lá, Susan - pediu Lucy. Susan cruzou os braços.
-Depois não digam que não vos avisei.
-Eu tenho isto, não te esqueças - sorriu Lucy, mostrando-lhe o frasco com o líquido vermelho. Virando-se para nós, disse: - é um frasco com sumo de flores de fogo que cura qualquer ferida.
-Prontos? - perguntou Peter, ele, Ben, Susan e Lucy a afastarem-se, deixando-me a mim e a Edmund no centro da sala. Sentia-me nervosa, mais nervosa do que em qualquer combate de esgrima em que já estivera e uma parte de mim dizia-me que era por causa de Edmund. Ele e eu acenámos com a cabeça a dizer que estávamos prontos - então o duelo pode começar.
Edmund avançou, mas eu bloqueei o ataque e instiguei. Ele era definitivamente bom esgrimista, provavelmente muito melhor que eu e devia estar só a facilitar-me a vida. Passámos alguns minutos sempre a atacar a e a contra-atacar, as espadas a tilintar quando se tocavam. A certa altura, eu ataquei com força e Edmund bloqueou, formando um X com as espadas. Carreguei para baixo, enquanto Edmund fazia força para cima. Finalmente, ele conseguiu libertar-se, e num movimento rápido, ambos apontámos a espada ao pescoço um do outro. Fitámo-nos e depois fomos interrompidos por Susan.
-Ok, acho que já chega...
Eu e Edmund deixámos de apontar as espadas um ao outro.
-Espero que não tenhas feito de propósito e lutado
menos bem do que lutas - declarei.
-Não, lutei como sempre luto - informou ele num tom
seco, encolhendo os ombros.
-É verdade - assentiram Lucy, Susan e Peter ao mesmo tempo.
-Fazia-nos falta alguém do género feminino com
tanto jeito para a espada, não fazia, Susan? - perguntou Lucy, entusiasmada -
já que tu és tão boa no arco e flecha e eu só sei lutar com a minha adaga...
Estendi a espada a Peter, mas ele recusou.
-Fica com ela - afirmou - e tu também, Ben.
-Vamos mudar-nos para os nossos trajes. Vou tentar arranjar roupa que te sirva, Melanie - alegou Susan - Edmund, faz o mesmo com o Ben.
-O quê? - indagou ele. Susan olhou para ele.
-Deixa essas lutas infantis de lado, Ed - pediu ela. Ele suspirou, mas finalmente acedeu.
*
Susan emprestou-me uma camisola com mangas curtas e um colete, calças de caça castanhas, botas castanhas e um cinto para colocar espadas.
Voltámos para a praia, encontrando um lago. Um barco com dois soldados e um anão louro navegava pelo mar e os dois soldados preparavam-se para mandar o anão, que estava amarrado, à água.
-Larguem-no! - ordenou Susan, correndo para perto da praia e lançando uma seta contra o barco. Os soldados assim fizeram, lançando-no para a água. Um deles preparou-se para pegar numa arma, mas Susan lançou-lhe uma seta. O outro soldado, com medo, lançou-se à agua. Ben, Peter e Edmund precipitaram-se para a água, os dois primeiros a ajudar o anão e Edmund a trazer o barco para a margem. Peter e Ben colocaram o anão na areia, enquanto Lucy lhe cortava as cordas com a sua adaga.
-Larguem-no? Isso é o melhor que consegues arranjar? - resmungou o anão, olhando para Susan.
-Um simples obrigado seria suficiente - indagou ela.
-Eles estavam a conseguir afogar-me sem a tua ajuda - replicou o anão.
-Talvez devêssemos ter deixado - Peter disse, defendo a irmã.
-Porque é que eles estavam a tentar matar-te? - interrogou Lucy.
-São telmarinos, é isso que fazem - informou o anão, com desprezo na voz. Eu e Ben entreolhámo-nos. Que seriam telmarinos?
-Telmarinos? Em Nárnia? - questionou Edmund.
-Onde é que têm estado nas últimas centenas de anos? - perguntou o anão.
-É uma longa história - afirmou Susan.
-O que são telmarinos? - interrogou Ben.
-Habitantes de Telmar - respondeu Peter - inimigos de Nárnia.
Peter pegou na sua espada com punho de leão. O anão observou-a atentamente e depois ele apercebeu-se quem eram aqueles quatro irmãos.
-Só podem estar a brincar comigo... são vocês? São vocês os antigos reis e rainhas de Nárnia? - interpelou.
-Sim, isso foi o que eu pensei - corroborou Ben, recebendo olhares mal-humorados dos quatro irmãos.
-Rei Peter... o Magnifico - apresentou-se Peter.
-Podias ter omitido essa última parte - sorriu Susan.
-Provavelmente - concordou o anão e depois pareceu aperceber-se finalmente da minha presença e da de Ben - e quem são vocês?
-Eles estavam na estação de comboios e vieram connosco - informou Lucy - são irmãos: Melanie e Ben Stanler.
O anão olhou-nos atentamente e depois voltou a fixar os olhos na espada de Peter.
-Podes ficar surpreendido - comentou o irmão mais velho.
-Tu não vais querer fazer isso, rapaz - avisou o anão.
-Eu não - concordou Peter e depois apontou para Edmund - ele.
Surpreendi-me com a confiança que Peter tinha em Edmund. Peter entregou a sua espada ao anão. Edmund desembainhou a sua espada, apontando-a ao anão. Este, com o peso da espada de Peter, enterrou levemente a espada na areia. Edmund olhou para os irmãos, sorrindo, achando que ia ser fácil. Mas enganou-se.
De repente, o anão levantou a espada da areia com uma facilidade extrema, atacando Edmund. Este conseguiu afastar-se, mas não o suficiente e a espada atingiu-o na cara, provocando-lhe um corte na testa.
-Oh, estás bem? - interpelou o anão em tom de gozo. Depois continuaram a esgrimir durante algum tempo. Eram ambos muito bons, mas no fim Edmund arrebatou a espada das mãos do anão, segurando a sua com as duas mãos por cima da cabeça e apontando-a ao anão.
-Barbas e bigodes! - exclamou este - talvez a trompa tenha mesmo funcionado, afinal.
Susan olhou-o, confusa.
-Que trompa? - perguntou.
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