domingo, 30 de março de 2014

Fervor

De manhã, acordei com os pássaros a chilrear e por momentos temi que Edmund me tivesse abandonado, mas o grifo ainda se encontrava deitado atrás de mim e o rapaz encontrava-se a poucos metros de mim a comer uma maçã.
-Bom dia – disse ele.
-Bom dia – cumprimentei.
-Estás melhor? – perguntou ele. Tentei levantar-me, mas ainda me doía a perna – acho que isso responde há minha pergunta.
O sol ainda não ia alto, pelo que ainda devia ser muito cedo. Ele estendeu-me uma maçã, que eu comi.
-Agora é melhor voltarmos a montar no grifo e procurar os outros. Devem ir mais à frente na floresta em direção à caverna de Aslan – declarou Edmund.
-Certo – concordei. Desta vez, Edmund sentou-se no grifo e eu atrás dele, segurando a sua cintura. O animal levantou voo, batendo as suas grandes asas e dali a instantes sobrevoávamos o arvoredo, olhando para baixo à procura de sinais dos outros. Detestava não saber nada de Ben, e o mesmo se devia passar com Edmund em relação aos seus irmãos.
Por fim, avistámos um grande “desfile” de narnianos a furarem a floresta. Eram poucos comparados com os que tinham partido no dia anterior para invadir o castelo, mas mesmo assim eram muitos. O grifo avançou por cima do desfile, aterrando no início deste, onde caminhavam os irmãos Pevensie, Caspian… e Ben. Este veio a correr ter comigo, abraçando-me.
-Estás ferida? – perguntou.
-Não é nada. E tu?
-Não – Ben ajudou-me a sair do grifo, que voltou a levantar voo e nos acompanhou voando por cima de nós.
-Estiveram juntos este tempo todo? – inquiriu Peter, sorrindo.
-O Edmund tirou-me do castelo, pois o meu centauro foi atingido e golpearam-me a perna, de modo que não conseguia andar. Ele desceu com o grifo e ajudou-me a montá-lo.
Peter e Susan trocaram um olhar cúmplice, mas Ben fez um ar irritado.
-Ele não te magoou, pois não? – interpelou.
-Ele salvou-me, Ben – afirmei.
-Não foi nada demais – alegou Edmund.
-O Asaf? – perguntei de súbdito. Caspian e os Pevensie olharam-me, confusos, e Ben nunca mais o vira assim que entráramos no castelo, mas um fauno ali perto disse-me:
-Asaf Jovia? Eu estava a lutar ao lado dele. Lamento… vi-o cair no chão…
Engoli em seco, uma lágrima ameaçando escorrer-me pela cara. Só eu e Ben o tínhamos conhecido, e ia sentir a falta dele.
-Lamento – declarou Susan, amigavelmente.
-É melhor ires montada num centauro, se não consegues andar – proferiu Caspian, após um silêncio – Ben, ajuda-me.
Antes de saber o que estava a acontecer, Ben e Caspian pegaram-me e colocaram-me num centauro. Sentei-me e tentei esquecer que sentia falta de me agarrar à cintura de Edmund, além de Asaf ter falecido. Depois a parada recomeçou a andar. Por vezes apanhava Edmund a olhar para mim e outras vezes dava por mim a olhar para a sua nuca e era geralmente nessas alturas que Edmund olhava para trás, para mim, o que me fazia corar. Continuámos a caminhar durante algum tempo e por fim avistámos a orla da floresta, o prado e a caverna de Aslan. Vários narnianos esperavam-nos e Lucy veio a correr de dentro da caverna.




-Que aconteceu? – perguntou ela. Peter, com fervor na voz, respondeu-lhe:
-Pergunta-lhe a ele – e fez um movimento com a cabeça em direção a Caspian. Percebi que algo me escapara e que havia ali coisa. Algo no plano devia ter corrido mal e agora Peter e Caspian não se podiam ver.
-Peter – chamou Susan, defendendo Caspian, o que me fez reforçar a minha teoria de que ela podia gostar dele.
-Eu? – questionou Caspian, olhando Peter com raiva – tu podias ter ripostado. Ainda havia tempo.
-Não, não havia – replicou Peter – graças a ti. Se te tivesses restringido ao plano, aqueles soldados ainda poderiam estar vivos.
-E se tu tivesses ficado aqui como eu sugeri, de certeza que eles estariam aqui agora! – argumentou Caspian. 
-Tu é que nos chamaste, lembras-te? – acusou Peter.
-O meu primeiro erro – disse Caspian, e apesar de saber que ele só estava enervado e que provavelmente não queria dizer aquilo, fiquei magoada.
-Não! – contrapôs Peter – o teu primeiro erro foi pensares que conseguias lidar este povo!
Peter virou-lhe costas, mas Caspian chamou-o e Peter virou-se novamente para ele.
-Ei, não fui eu que abandonei Nárnia! – culpou Caspian.
-Tu invadiste Nárnia – incriminou Peter e Caspian passou por ele como um furacão – não tens mais direitos do que Miraz tem! Tu, ele, o teu pai… Nárnia está melhor sem vocês todos!
Caspian parou quando ouviu as palavras “o teu pai”. Depois virou-se para Peter, desembainhando a espada e Peter fez o mesmo, ambos a apontar as espadas ao pescoço um do outro.


Pararam quando Glenstorm se chegou à frente, com Trumpkin, o anão louro, nas suas mãos. Edmund ajudou-o a colocá-lo no chão.


Lucy correu para Trumpkin, desenroscando o seu frasco de sumo de flores de fogo e deitando uma gota na boca dele.


Depois, lentamente, Trumpkin abriu os olhos, dizendo:
-O que é vocês estão todos aí a fazer, parados, a olhar? Os telmarinos vão chegar não tarda nada.
Lucy sorriu para Trumpkin.
-Obrigado, minha querida pequena amiga - agradeceu-lhe ele. 
-Lu, dá um pouco do sumo à Melanie - disse Edmund, ajudando-me a sair do centauro.
Ben amparou-me e Lucy colocou uma gota de sumo de flores de fogo na ferida do meu pescoço, fazendo desaparecer aí a dor. Depois desenrolou a ligadura feita do pedaço de camisa de Edmund, olhando-o com um sorriso. Deitou também uma gota na minha perna direita e senti-me melhor, já conseguindo andar sozinha. 
-Desde quando é que tens duas espadas? - interpelou Ben, olhando para o coldre que eu tinha à cintura. Retirei primeiro a espada que Peter me dera, estendendo-lha.
-Obrigada, mas já não preciso dela.
Ele pegou-lhe, e depois desembainhei a espada que Edmund me oferecera. 
-Uau - exclamaram várias vozes. Eu e Edmund trocámos um olhar cúmplice, mas acho que Lucy e Susan repararam. 
-Se não se importam, preciso... de dar uma volta - declarei. Os outros olharam-me compreensivamente. Não me afastei da caverna, ficando por ali perto. Perguntei-me se Asaf teria tido uma morte rápida ou se fora lenta e dolorosa. Não conseguia evitar pensar nisso. Depois, os meus pensamentos desviaram-se para outra pessoa. Não sabia o que estava a sentir em relação a ele. Num momento parecia distante, no outro era tão amável... apercebi-me que nem sequer sabia as razões porque Edmund e Ben costumavam lutar na escola. Porque é que ele tinha de ser tão complicado?
Enquanto pensava nisto, chegaram-me vozes trazidas pela brisa fresca.
-Então foi por isso que os outros viram todas aquelas luzes confusas? - distingui a voz de Susan - porque deixaste cair a lanterna?
Houve um silêncio, e depois a pessoa em quem eu tinha estado a pensar falou:
-Sim... estava distraído... na verdade, estava a pensar na discussão que tinha tido com a Melanie e em como ela se podia magoar.
-Ela não te sai da cabeça - gracejou Susan.
-De qualquer maneira - afirmou Edmund - a lanterna caiu ao pé de um guarda que a apanhou e, não sabendo o que aquilo era, pôs-se a brincar com ela e a ligá-la e a desligá-la, e foram essas as luzes que os narnianos viram.
Arregalei os olhos quando compreendi. Nós, os narnianos, à espera do sinal de Edmund para entrar no castelo de Telmar, víramos umas luzes confusas e indistintas e decidíramos esperar por novo sinal. Agora sabia que essas luzes tinham sido provocadas porque Edmund tinha estado a pensar em mim.
-Depois consegui combater o guarda e apanhar a lanterna, dando um novo sinal e foi aí que os narnianos avançaram para o castelo - finalizou Edmund.
-O plano foi um fracasso e agora o Peter e o Caspian não param de pôr as culpas em cima um do outro - lamentou-se Susan.
-Nem tudo pode correr bem, essa é a verdade, mas não podemos desanimar. A guerra entre Nárnia e Telmar vai estalar em breve e temos de estar preparados - indagou Edmund.
-Agora falaste como um verdadeiro Rei - proferiu Susan. Nessa altura, as vozes aproximavam-se e decidi ir-me embora. Já ouvira coisas que não era suposto ter ouvido. Afastei-me em direção à entrada da caverna, o coração a bater forte no peito.

sábado, 29 de março de 2014

Espadas

Asterius arrombou o portão frágil, levando alguns soldados telmarinos à sua frente. Olhei para Ben, esperando que tudo corresse bem, e desembainhei a minha espada, inclinada no dorso do centauro. 
Quando passámos o portão e quando nos viram, Peter, Susan e Caspian desembainharam as suas espadas e prepararem-se para a luta. Muitos telmarinos, apercebendo-se da invasão, desceram as escadas do castelo rapidamente.  Não havia tempo para medo ou hesitações. O meu centauro, segurando duas espadas na mão, deferia golpes nos homens mais baixos, enquanto eu lutava com os telmarinos que iam em cavalos. Deferi golpes em vários telmarinos, que caiam dos seus cavalos a baixo. A certa altura, um telmarino lançou uma seta que acertou na pata do centauro que me segurava. Este segurou-se, mas depois cravaram-se-lhe mais duas e não aguentou, abatendo-se no chão. Caí com estrondo em cima dele.
-Segue sem mim - disse ele - por Nárnia e por Aslan...
Olhei uma última vez para o centauro caído, odiando não poder fazer nada para o ajudar e ter de o abandonar. No entanto, não tive muito mais tempo para pensar nisso pois comecei a lutar corpo a corpo com um soldado muito maior que eu. Ofereci resistência e fiz-lhe um corte no braço esquerdo, mas ele atingiu-me no pescoço, por pouco não mo cortando. A sangrar e com um único golpe golpeei-lhe a cabeça. Nesse momento, outro soldado telmarino começou a fechar os portões, mas Asterius correu para lá, suportando o peso do portão com o seu peso. Não ia conseguir aguentar muito mais, e ouviram-se as vozes de Peter e de Caspian a mandarem-nos retirar. 



Não sabia onde estava Ben ou Asaf e não conseguia ver os Pevensie ou Caspian. Estava longe do portão de saída, mas furei caminho, decapitando ou golpeando um soldado aqui ou acolá. De repente, senti uma dor dilacerante na perna direita e vi um telmarino a golpear-me com a espada. Afastei-o com uma cotovelada e depois atingi-o na cintura, mas não consegui andar. Tentei gritar e pedir ajuda, mas não encontrei a voz. À minha volta viam-se corpos caídos e gente a correr em direção aos portões. Era o fim para mim. Depois ouvi a voz. A voz que discutira comigo, mas que eu tinha de admitir que era a voz da razão.


-Melanie, agarra-me! - gritou Edmund, montado num grifo, que naquele momento rasava o chão. Edmund estendeu o braço e eu agarrei-o. Ele puxou-me com força para cima dele e o grifo não vacilou, levantando voo - agarra-te bem à minha cintura!
Assim o fiz, cerrando os dentes pois doía-me incrivelmente o corte da perna e o do pescoço, mas doía-me ainda mais o meu orgulho, pois no final fora Edmund que me salvara. Olhei para baixo, vendo Asterius a ser atingido com setas e a vacilar. Sabia que ele estava a ceder e que muitos narnianos ficariam para trás. Esperava que Ben já estivesse a salvo, pois não suportaria ter sobrevivido e ele não e também estava preocupada com Asaf, pois embora não o conhecesse há muito, tinha-me tornado amiga dele. 
Vi Asterius a ceder e a cair no chão, o portão a cair sobre ele. Muitos narnianos ficaram para trás, mas agora eram apenas uma mancha indistinta à medida que o grifo subia e íamos ficando cada vez mais longe do castelo.
-Estás magoada? – perguntou-me Edmund. Mordi o lábio inferior, não querendo admitir que ele tivera razão. Como eu não respondi, ele indagou: - deixa o orgulho de lado, Melanie, por favor.
-Só… no pescoço e na perna direita. Foi por causa do golpe na perna que não consegui correr em direção aos portões… mas Edmund… porque… porque desceste e me vieste ajudar? Logo a mim? – perguntei, num sussurro.
-A verdade é que… eu menti-te, hoje, quando te disse que só me importava contigo porque eras uma rapariga que se podia magoar seriamente. Não é só por causa disso. Na verdade, é muito mais do que isso.
Susti a respiração, apertando firmemente a cintura de Edmund e à espera que ele continuasse, mas ele não o fez. Não falámos mais, e estávamos a sobrevoar a floresta quando ele proferiu:
-É melhor descansarmos um bocado. O grifo também precisa de recuperar forças. Paramos naquela clareira e depois prosseguimos caminho, está bem?
-Sim – afirmei, cansada. O grifo desceu até pousar na clareira, rodeada por árvores grandes. Ouviam-se mochos e o barulho do vento nas árvores, e estava contente por não estar sozinha. Edmund e eu sentámo-nos no grifo. Depois o primeiro desceu do animal e ajudou-me, contra minha vontade, a sair dele. O grifo deitou-se no chão e eu e Edmund encostámo-nos a ele, recebendo o calor do primeiro.
-Golpearam-te no pescoço e na perna direita, certo? – interpelou Edmund. Fiz que sim com a cabeça – não tenho nenhum frasco mágico como o da Lucy que possa curar feridas, mas vou tentar fazer-te uma ligadura para o corte da perna.
-Não é preciso – afirmei, mas ele ou não me ouviu ou fez que não ouviu. Arrancou um pedaço da sua camisa e enrolou-o à volta da minha ferida. Depois pareceu lembrar-se de algo, retirando uma espada do coldre da sua cintura. Era a espada mais bonita que já vira, parecia fogo, em tons castanhos, laranjas e dourados. O punho era dourado e parecia de ouro.


-Roubei esta espada a um telmarino e achei que ias gostar – Edmund estendeu-ma.
-É para mim? – questionei, arregalando os olhos.
-Bom, sim… se…
-Obrigada – interrompi eu e ele sorriu levemente. Agarrei no punho da espada, que se adequava perfeitamente a mim. Não era pesada e era fácil de manejar e sentia-me embaraçada por Edmund se ter lembrado de mim, principalmente depois da nossa discussão. Ele ajudou-me a colocar a espada à cintura e depois recostámo-nos um no outro e no grifo. Sem saber como, tinha a cabeça pousada no peito dele, com a parte do pescoço que não estava ferida, e depois adormeci. 

A invasão ao castelo

Eu e Ben saímos daquela sala e voltámos à sala principal, eu sem saber o que havia de fazer e o que estava a sentir. E tudo por causa de Edmund. Ficara intrigada pelo facto de ele se opor a eu ir com eles atacar o castelo de Telmar, para não falar que ficara magoada. Ben, despassarado como era, não notou nada e foi com Caspian e Peter arranjar uma armadura que lhe servisse. Era suposto eu ir ter com Susan e Lucy para elas me arranjarem uma, mas Lucy fora à procura de Edmund e Susan não se via em lado nenhum.
-Se quiseres, vai um bocadinho lá fora apanhar ar – sugeriu-me Asaf, cuja bancada onde trabalhava reluzia de espadas forjadas – mas tem cuidado e não te afastes da entrada da gruta, não se sabe se pode haver telmarinos na floresta.
-Sim, acho que o ar fresco me vai fazer bem – concordei.
-Mas não te demores, tens de preparar-te para o ataque ao castelo – aconselhou Asaf.
-Claro, se o rei Edmund me der permissão – afirmei, num tom seco. Asaf esboçou um sorriso compreensivo e eu, com a espada que Peter me dera na Câmara de Tesouros em Cair Paravel à cintura, encaminhei-me lá para fora. Passava pouco do meio-dia e o sol erguia-se no céu, radiante e esplendoroso, ofuscando-me durante momentos. Estava calor e não havia brisas frescas, mas continuei. Em vez de caminhar em frente, afastei-me para o lado direito, abrigando-me na sombra da colina.
-Foi a Lucy que te pediu para vires? – perguntou uma voz. Olhei, sobressaltada, para cima, vendo Edmund sentado na rocha acima da minha cabeça.
-Nem sequer sabia que estavas aí. Foi o Asaf que me aconselhou a vir apanhar ar – repliquei.
-Asaf? – Edmund arqueou uma sobrancelha.
-É um rapaz natural de Calormen, mas agora forja armas para os narnianos – declarei.
-Ah, e é teu amigo? – questionou ele, saltando da rocha para o chão. Era uma altura considerável, mas Edmund aterrou agilmente na relva do prado. Raios, porque é que ele conseguia sempre fazer tudo bem?
-Ao menos ele não se opõe a eu ir ao ataque – afirmei.
-Como queiras, não vou discutir contigo. Mas não tens experiência desta e isso vai prejudicar-te.
-Mas o Ben também não tem e tu não te opuseste a que ele fosse! – exclamei.
-Mas eu não me importo com o Ben! – referiu ele, e pareceu-me distinguir um leve rubor nas suas faces, ao mesmo tempo que o meu coração começou a bater estupidamente mais depressa – porque, claro, tu és uma rapariga e as raparigas não se devem magoar em guerras.
-Boa desculpa – cruzei os braços sob o peito, meditando se a parte de eu ser rapariga era mesmo verdade ou se fora só uma desculpa que Edmund dera para não admitir a verdadeira razão por que se importava realmente comigo.
-Juro que nunca conheci ninguém tão teimoso como tu! – proferiu Edmund, o cabelo a cair-lhe para os olhos escuros.
-Espero que isso seja uma coisa boa – disse eu, com um ligeiro sorriso.
-Não vai ser quando te magoares – contrapôs ele – a tua teimosia pode virar-se contra ti.
-Então vou provar-te que estás errado – declarei, com fúria na voz.
-Fico à espera que tentes – contestou ele, com igual raiva na voz. Rodei sobre os calcanhares e dirigi-me pesadamente para o interior da gruta.
-Ah, estás aqui! – exclamou Susan ao ver-me – andei à tua procura. A Lucy encontrou uma armadura que acho que te vai servir. Também é melhor treinares com a espada para te habituares a ela.
-E luto com quem?
-O teu irmão estava a treinar com o Peter, por isso podes treinar com o Edmund ou o… o Caspian.
-Prefiro o Caspian – afirmei. Susan parecia um pouco ciumenta, mas eu só escolhera Caspian porque naquele momento não tinha vontade nenhuma de ver Edmund e ele provavelmente também não me queria ver.
Depois de vestir a armadura, que me servia, encaminhei-me para uma sala iluminada por archotes onde Ben e Peter lutavam e onde se encontrava Caspian, à minha espera.
-Preparada? – perguntou ele.
-Tu estás? – inquiri eu – muita gente não gosta de lutar comigo por ser rapariga.
-Bom, eu costumo geralmente lutar com homens mais altos e fortes, mas acho que consigo lutar contigo – sorriu Caspian, brincalhão.
-Oh, acho que vais arrepender-te de dizer isso – afirmou Ben, aproveitando uma pausa no seu combate. Desembainhei a espada, segurando-a firmemente. Caspian fez o mesmo, avançando para mim. Bloqueei o golpe e avancei, e continuámos naquilo durante algum tempo. Depois também lutei com Peter e com Ben. Não determinámos quem ganhou ou perdeu e trocámos dicas e truques uns com os outros e ao fim da tarde fomos tomar uma refeição reforçada. Edmund e eu não nos dignámos a olhar, quanto mais a falar-nos.
Por fim, Lucy desejou-nos boa sorte, pois ia ficar na caverna com a maioria das mulheres, fêmeas e crianças e com outras criaturas que não podiam, por vários motivos, participar no ataque, e ao cair da noite dirigimo-nos silenciosamente para o castelo de Telmar, que era grande e imponente.


Acordou-se que os Pevensie e Caspian seriam levados para dentro do castelo por hipogrifos. Edmund seria o primeiro a ser levado, para depois dar sinal, através da sua lanterna elétrica, a Susan, Peter e Caspian de que podiam ir. Depois, quando Edmund desse novo sinal, queria dizer que Susan, Peter e Caspian tinham conseguido abrir os portões pela parte de dentro e seria a nossa deixa para invadir o castelo.
Estava uma noite serena, mas enevoada e não consegui evitar sentir um aperto no coração quando Edmund foi levado pelo hipogrifo para dentro do castelo. Não sei se imaginei, mas pareceu-me ver Edmund a olhar para trás enquanto voava seguro nas patas do hipogrifo, como se estivesse a olhar-me.
Dali a pouco tempo, viu-se uma luz a piscar, a luz da lanterna de Edmund, e Peter, Caspian e Susan foram levados pelos seus hipogrifos para dentro do castelo. 
A partir dali só tínhamos de esperar pelo novo sinal de Edmund para podermos entrar no castelo, e comecei a ficar nervosa e impaciente. Esperámos durante um bom bocado, calados, quietos e de respiração suspensa. A certa altura viram-se luzes de lanterna, mas pareciam baralhadas e indistintas. Decidimos esperar por novo sinal, que demorou a chegar, mas finalmente viu-se. Assim, com Glenstorm, um dos centauros mais imponentes, Nikabrik e um minotauro, Asterius, na frente, e eu, Ben  e Asaf montados em centauros cada um logo a seguir a eles, corremos em direção ao castelo, gritando "Por Nárnia! Por Aslan!". 


domingo, 16 de março de 2014

Beruna

Eu, Ben, os quatro Pevensie e Trumpkin caminhámos pela floresta juntamente com Caspian, o texugo que falara, de nome Trufflehunter, o rato que Lucy chamara de fofo, Reepicheep, o anão de barba negra, Nikabrik e os restantes narnianos. 
-Então são de uma terra chamada Inglaterra? - perguntou Caspian a mim e a Ben. O meu irmão começara a falar com ele e eu juntei-me. Caspian parecia simpático, à exceção das suas rivalidades com Peter.
-É mais ou menos isso - concordou Ben.
-E sabem esgrimir? - questionou Caspian, olhando mais para mim do que para Ben.
-Ela lutou com o Edmund e acabaram a luta com as espadas encostadas ao pescoço um do outro. E o Peter diz que o Edmund é o melhor a esgrimir em Nárnia - disse Ben, entusiasmado. Corei com os elogios do meu irmão.
-O Ben só está a dizer isso porque não suporta o Edmund - declarei eu - estavam sempre a lutar na escola. 
-Luto ainda mais se ele se começar a fazer a ti - afirmou Ben. Arregalei os olhos, certa de que estava vermelhíssima. Caspian sorriu e olhou em volta. 
-E sobre a irmã dele? A mais velha... Susan? - interrogou ele. Foi a minha vez de sorrir. 
-Ela é simpática. Gentil, como diz o seu título. Aposto que vais gostar dela - aleguei. 
-Então e tu, Ben? Não há ninguém que te tenha cativado? - provocou Caspian.
-Havia... mas a Melanie interrompeu-me quando eu estava a falar com ela - respondeu ele.
-Aquela rapariga do meu colégio? Com quem estavas a falar quando te chamei para irmos apanhar o comboio? - inquiri.
-Essa mesmo - confirmou Ben. 
-Vocês têm sorte - comentou Caspian - porque vão poder ficar com quem gostam quando se forem embora de Nárnia, visto que as pessoas de quem gostam são do vosso mundo. Eu, pelo contrário... ficarei sozinho.
Olhou para Susan, que ia mais à frente com os irmãos. Achei melhor não dizer que não gostava de ninguém por não ser um bom momento para falar disso.
-Não penses nisso - proferi eu, ao fim de algum tempo. Depois, caminhámos em silêncio até o bosque desembocar num vasto prado, com uma colina com ruínas, mais à frente.


-Beruna - explicou Caspian - uma região de Nárnia. 
Continuámos a caminhar em direção à colina. Uma receção calorosa de narnianos, maioritariamente centauros, esperavam-nos. Ao verem os reis e rainhas de Nárnia, desembainharam as espadas em sinal de saudação. 






Entrámos para dentro da caverna, que estava toda iluminada por archotes. Lá dentro, dezenas de narnianos, como minotauros, faunos, centauros e anões, trabalhavam para se prepararem para a guerra contra Telmar, em que Caspian prometera ajudar os narnianos combatendo contra os telmarinos. Havia animais a forjar armas, a recolher alimentos, a treinar...


Eu e Ben separámo-nos de Caspian, que foi ter com os Pevensie. Vimos com admiração as armas construídas pelos narnianos. Eu fiquei especialmente admirada ao encontrar um rapaz humano a forjar espadas. Sabia que havia humanos em Nárnia, maioritariamente dos reinos de Archenland, Calormen e Telmar, mas nunca tinha visto nenhum. O rapaz, moreno, vestia trajes parecidos com os de Caspian, Peter e Edmund, mas mais modestos. 
-Chamo-me Asaf Jovia - apresentou-se ele quando me viu a olhá-lo muito atentamente - sou oriundo do reino de Archenland, mas os meus pais quiseram vir para Nárnia. Forjo espadas.
-Eu sou a Melanie Stanler - cumprimentei - sou da Terra. Como é que aprendeste a forjar espadas?
Asaf encolheu os ombros.
-Fui aprendendo, aos poucos. 
-Pareces muito talentoso - afirmei. Ele sorriu.
-Temos de forjar o máximo de espadas que pudermos para a batalha - declarou ele.
-Espero poder lutar - aleguei. Até essa altura, ainda não tinha pensado muito no facto de poder participar numa batalha a sério, em que me poderia magoar a valer, ou pior. 
-Duvido - disse ele - és uma rapariga.
Cruzei os braços sob o peito.
-Isso não quer dizer que...
-Não estou a ser machista - cortou ele - é só que não me parece que o rei Peter ou o rei Edmund te deixem ir.
-Porquê? - perguntei.
-Provavelmente vão querer que fiques com a rainha Susan e a rainha Lucy - respondeu ele. Nesse momento, vários narnianos dirigiram-se à parte mais interna da caverna. Ben chamou-me, por isso despedi-me de Asaf e fui com ele. Caspian e os quatro irmãos Pevensie estavam lá, a discutir táticas de batalha. Havia uma grande Mesa de Pedra partida e rachada no meio, no centro da sala. 



Vi uma grande imagem de um leão, provavelmente Aslan. Agora era Lucy que estava a falar.
-... bom, vocês estão a agir como se só houvessem duas opções. Morrer lá, ou morrer cá - disse ela. Troquei um olhar confuso com Ben. De que estava ela a falar?
-Não tenho a certeza de que tenhas estado mesmo a ouvir, Lu - disse Peter.
-Não, tu é que não estás a ouvir - contrapôs Lucy - ou já te esqueceste quem é que derrotou verdadeiramente a Feiticeira Branca?
Os olhos dela vacilaram para o grande retrato do leão.
-Acho que já esperámos tempo demais por Aslan - proferiu Peter.
-Quem vota a favor de invadirmos o castelo de Telmar hoje à noite? - questionou Edmund e várias mãos levantaram o braço - e quem vota contra?
Foram poucas as pessoas que votaram contra, um deles foi Caspian. No fim, a maioria ganhou e eu percebi. Eles tinham estado a planear um ataque ao castelo de Telmar. A meu ver, isso era quase suicídio, mas não queria dar parte fraca. Lentamente, os vários narnianos evacuaram a sala, indo preparar-se para o ataque, restando eu, Ben, Caspian e os Pevensie. Lembrando-me do que Asaf dissera, perguntei:
-Então e eu e Ben?
-Eu vou lutar, por isso se quiseres, também lutas - respondeu Susan.
-Então assim o farei... - acedi. 
-Não, é demasiado perigoso - interrompeu uma voz. Olhei para Edmund.
-Tu próprio disseste que ela lutava bem! - argumentou Susan. Uau, a rapariga que se opusera a eu lutar com Edmund agora discutia com ele porque Edmund não queria que eu fosse com eles. Acharia ele que eu estragaria tudo, que lhes era um fardo? Ou seria preocupação?
-Daí a deixá-la ir... ela pode ter experiência, mas nunca lutou a sério - replicou Edmund.
-Estás a dizer que não consigo? - exaltei-me.
-Não! - exclamou ele - eu só não quero que te magoes! Atacar um castelo é diferente do que esgrimar! Podes magoar-te a sério e...
-E desde quando é que te preocupas com a minha irmã? - inquiriu Ben. Edmund não disse nada, pelo que Ben continuou: - por muito que me aflija que ela vá lutar, a decisão é dela. Não tenho o direito de a impedir, muito menos tu. 
-Como queiram, mas depois não digam que não vos avisei - disse Edmund, finalizando a conversa e saindo da sala.
-Não sei o que lhe deu - cortou Susan o silêncio ao fim de algum tempo - ele não é assim geralmente...
Lucy sorriu.
-Bom, eu acho que sei. Vou procurá-lo - e com isto, saiu também ela da sala. 
-Então, vais ao ataque? - perguntou-me Peter.
-Vou - respondi. Peter olhou para Ben.
-E tu? 
-Também - acedeu ele.
-Muito bem. Então vamos preparar-nos. 

sábado, 8 de março de 2014

Caspian X

O anão referira-se à trompa de Susan, que o príncipe de Telmar, Caspian, X soprara. A trompa era mágica e servia para pedir ajuda, por isso é que os irmãos Pevensie tinham vindo para Nárnia e também devia ser por isso que eu Ben ali estávamos. 
Utilizámos o barco dos telmarinos para navegar por um rio calmo, mirando a paisagem à nossa volta. Eu e Ben encontrávamo-nos na parte detrás do pequeno barco, conversando os dois. Ouvíamos os Pevensie e o anão a falarem entre si, mas nenhum de nós lhes estava a aprestar atenção.


-Isto é tudo tão estranho não é? – sussurrou ele – há poucas horas estávamos em Londres, na estação e agora estamos a navegar num rio com os reis e rainhas de Nárnia e um anão narniano.
-Tens razão, mas fico feliz que isto tenha acontecido – confessei. Ele sorriu.
-Eu também. Mas para dizer a verdade, ainda me parece tudo um sonho – comentou ele.
-Então espero não acordar tão cedo – admiti. Olhei para a frente do barco, apercebendo-me que os meus olhos vagueavam sobre o cabelo de Edmund. Ele virou-se para mim e eu desviei o olhar. Fitei a água, sentindo-me embaraçada por ele me ter apanhado a observá-lo. Que pensaria ele?
Atracámos o barco num areal cheio de pedras. Ao longe, avistámos um urso preto e Lucy encaminhou-se na direção dele.


-Olá! - acenou ela - está tudo bem... somos amigos. 
-Não se mova, majestade! - gritou o anão.
O urso começou a correr na direção de Lucy e Susan preparou-se para lhe lançar uma seta. 
-Fica longe dela! - ordenou Susan.
-Susan, lança!  - gritou Edmund. Lucy tropeçou nas pedras do areal e o urso elevou-se, preparando-se para a atacar. Depois, uma seta acertou no urso. Olhei para trás. O anão, que se chamava Trumpkin, acertara-lhe em cheio.
-Porque é que ele não parou? - inquiriu Susan.
-Suponho que estava com fome – respondeu Trumpkin com voz amarga.
-Obrigada – agradeceu Lucy ao anão.
-Ele era selvagem – constatou Edmund.
-Não me parece que ele conseguisse falar, de todo – arriscou Peter.
-Sê tratado como um animal estúpido durante tempo suficiente e é nisso que te tornas – indagou Trumpkin com amargura – podem encontrar Nárnia mais selvagem do que aquilo que se lembram.
-Nós não – alvitrei, recebendo olhares estranhos por parte de todos menos de Ben – desculpem.
Começámos a caminhar em direção à floresta. Estranhamente, Ben estava a falar com Peter, mas também Ben só era rival de Edmund, não de Peter. Lucy e Susan falavam com Trumpkin e eu ia atrás deles, a tentar ler o livro enquanto caminhava pela vegetação.
-Vê lá se cais – disse uma voz há minha frente. Como que a responder, tropecei numa pedra mas ele agarrou-me. O meu livro embateu no peito dele e ele segurou-me pelos cotovelos.
-Obrigada – murmurei. Edmund sorriu.
-De nada.
-Que é que estão os dois pombinhos a fazer aí atrás? – perguntou Lucy, com um sorriso nos lábios.
-Lucy! – protestou Edmund e afastámo-nos os dois. Fui ter com Ben, que parecia zangado.
-Que é que estavas a fazer com ele, realmente?
-Eu tropecei e ele segurou-me, só isso – respondi.
-Só isso? – Ben arqueou uma sobrancelha. Deitei-lhe um olhar zangado e ele desistiu.
-Não me lembro deste caminho – proferiu Susan ao fim de algum tempo.
-Esse é o problema com as raparigas – sorriu Peter – não conseguem carregar um mapa dentro da cabeça.
-Isso é porque as nossas cabeças têm alguma coisa lá dentro – replicou Lucy, sorrindo. Ela era uma rapariga muito sorridente e corajosa, não havia dúvidas.
-Eu gostava que ele desse ouvidos ao QPA em primeiro lugar – suspirou Susan.
-QPA? – interrogou Edmund, confuso.
-Querido Pequeno Amigo – esclareceu Lucy, olhando para Trumpkin.
-Isso não é nada lisonjeador, pois não? – reclamou ele.
-Não estou perdido – disse Peter, mais para si próprio do que para os outros.
-Não, só estás a ir na direção errada – afirmou Trumpkin. Ele e Peter continuaram a discutir sobre que caminho deveriam seguir. Chegámos a um penhasco, onde por baixo havia um rio. Preparávamo-nos para ir embora quando Lucy exclamou:
-Aslan! É o Aslan, ali! – disse ela, apontando para a outra encosta, que o rio separava da nossa. Olhei para lá, mas não vi nada a não ser árvores – não o vêm? Ele está mesmo… ali...
-Vê-lo agora? – interpelou o anão.
-Eu não estou maluca, ele estava ali. Queria que o seguíssemos - teimou Lucy.
-Tenho a certeza de que há mais leões na floresta, tal como aquele urso – declarou Peter.
-Eu consigo reconhecer o Aslan quando o vejo – argumentou Lucy.
-Eu não vou saltar de um penhasco por alguém que não existe – fez Trumpkin ver. Ele, Ben e eu nunca o víramos.  
-A última vez que não acreditei na Lucy acabei por fazer figura de parvo – comentou Edmund.
-Porque é que eu não o haveria de ver? – questionou Peter.
-Talvez não estivesses a olhar – respondeu Lucy. Parecia triste por não acreditarem nela.
-Desculpa, Lu – disse Peter, voltando-se para caminhar pela floresta. Seguimo-lo.
-Eu acredito em ti – declarei a Lucy.
-A sério? Ou só estás a dizer isso para eu me sentir melhor? – perguntou ela.
-A sério. Eu nunca o vi, mas sei que eras a mais próxima a Aslan. Talvez ele quisesse que fosses a única a vê-lo – sugeriu eu. A cara dela iluminou-se e ela abraçou-me subitamente. Abracei-a de volta. Depois olhei em frente. Edmund observava-nos. Pronunciou com a boca a palavra “Obrigado” e eu encolhi os ombros. Não fizera nada demais. Encaminhámo-nos para um forte, em Beruna, uma região ali perto. Escondidos atrás de troncos, vimos telmarinos ao longe, com lenha e armamento, a preparem-se para a batalha contra os narnianos.
-Talvez este não tenha sido o melhor caminho, afinal de contas – confessou Susan e nós concordámos, embrenhando-nos novamente na floresta. Regressámos ao penhasco e conseguimos descê-lo com muito cuidado. Como já era quase noite, Peter fez uma fogueira na floresta e aí acampámos.

*

No dia seguinte, Ben acordou-me. Susan, Edmund e Trumpkin já estavam de pé, mas não havia sinais de Peter e Lucy e os outros pareciam preocupados. De repente, ouvimos lâminas de espadas a bater uma na outra. Fomos até ao local da confusão. Eu e Ben abrimos a boca de espanto ao ver a quantidade de narnianos na floresta. Eram centauros, gigantes, minotauros, anões, animais de todos os tipos e rodeavam Peter e outro rapaz, moreno e de olhos castanhos, que esgrimiam entre si. O rapaz não devia ser mais velho que Peter e era bem giro, tinha de admitir.


-Peter! – Susan gritou e o rapaz que lutava com Peter olhou-o atentamente.
-Alto-Rei Peter? – perguntou ele – sou Caspian X, de Telmar.
-Acredito que nos chamaste – confirmou Peter. Então aquele é que era Caspian! Parecia estar do lado dos narnianos, por isso não percebi porque tinha estado a lutar com Peter.
-Bom, sim… mas pensei que fossem mais velhos – referiu Caspian.
-Podemos voltar daqui a alguns anos, se quiseres – comentou Peter, sarcasticamente, preparado para dar meia volta e ir-se embora.
-Não, não… está tudo bem… é só que… vocês não são exatamente aquilo que esperava – admitiu Caspian, olhando atentamente para cada um dos Pevensie, o seu olhar a demorar-se em Susan.
-Nem vocês! – exclamou Edmund, olhando preocupado para um minotauro. Percebi o que ele queria dizer, pois os minotauros tinham lutado contra Aslan e contra os Pevensie na batalha contra a feiticeira Branca, uma vez que haviam lutado ao lado dela.
-Um inimigo em comum une até os mais antigos dos rivais – declarou um texugo solenemente. Edmund trocou um breve olhar com Ben, o que me fez sorrir. Isso captou a atenção do texugo, do rapaz e dos restantes narnianos para mim, o que provavelmente me fez corar.
-E quem são vocês dois? Mais reis de Nárnia? – inquiriu Caspian.
-Chamo-me Ben Stanler e esta é a minha irmã, Melanie. Não somos reis, nem nada que se pareça. Viemos com os Pevensie – afirmou Ben.
-Então também foram chamados? – questionou um centauro.
-Parece que sim – concordou o meu irmão.
-E de que nos são úteis? – perguntou um anão de barba preta e aspeto medonho. Ben preparava-se para responder quando a última pessoa que eu pensei que fosse interceder por nós falou:
-São bons a esgrimir. Ela, especialmente – declarou Edmund. Cravei os olhos no chão.
-Nós esperámos ansiosamente o vosso retorno, suas majestades – disse um rato pequeno armado com uma mini espada, ao fim de algum tempo – os nossos corações e espadas estão ao vosso serviço.
-Oh meu Deus, ele é tão fofo – sussurrou Lucy a Susan.
-Quem disse isso? – exaltou-se o rato, olhando à sua volta, furioso. Quando Lucy se desculpou, o rato retrocedeu – oh, sua majestade… com o maior dos respeitos… acredito que corajoso, cavalheiro ou cortês definiriam melhor um cavaleiro de Nárnia.
-Bom, ao menos sabemos que alguns de vocês conseguem esgrimir – comentou Peter. Não parecia muito contente com a presença de Caspian e o mesmo sentia Caspian em relação a Peter.
-Sim, de facto – continuou o rato – e tenho adquirido armas para o seu exército, senhor.
-Boa. Porque vamos precisar de cada espada que conseguirmos arranjar – detalhou Peter com voz solene.
-Então provavelmente queres a tua de volta – sorriu Caspian, estendendo a Peter a respetiva espada que eu nem reparara que Caspian lhe conseguira tirar durante o duelo. 

Trumpkin

-Não acredito que ainda está tudo aqui - murmurou Peter. Susan, Lucy e Edmund correram para as suas arcas.
-Aquelas estátuas são deles? - perguntou-me Ben num sussurro. Acenei afirmativamente com a cabeça. Os três irmãos mais novos abriram as suas arcas. Lucy retirou um vestido de dentro da arca bem maior que ela.
-Eu era tão alta - sorriu ela.
-Bem, tu eras mais velha na altura - disse Susan, sorrindo. 
-Suponho que cem anos depois as pessoas ficam mais novas - riu Edmund. Peter ainda não fora à sua arca, pois ficara a ver um escudo de ouro com a cara de Aslan gravada. Lucy retirou de dentro da sua arca uma adaga e um frasco com um líquido vermelho-vivo. Susan retirou o seu arco com as suas flechas e Edmund uma espada prateada e brilhante que me cativou. Peter aproximou-se então da sua arca, retirando uma espada com um punho em forma de leão e um escudo com um leão vermelho gravado, que também me chamaram a atenção.


Dagger Lucy Exhibition Cordial2
Adaga e frasco de Lucy



Arco e flechas de Susan e espada de Edmund


Escudo e espada de Peter


Eu e Ben olhámos com admiração para todos aqueles objetos até que Lucy perguntou a Susan:
-Que foi?
-A minha trompa. Devo-a ter deixado na minha sela. No dia em que voltámos - referiu a irmã mais velha. 
-O Mal será Bem quando Aslan chegar. Ao seu rugido a dor fugirá. Nos seus dentes, o Inverno morrerá... - disse Peter, lendo a inscrição contida na sua espada.
-Na sua juba, a Primavera voltará - completou Lucy. Depois a sua cara ficou triste - toda a gente que conhecíamos... o Sr. Tumnus e os castores... foram-se todos. 
-Acho que está na altura de descobrirmos o que se passou - afirmou Peter. 
-Então e nós? - questionou Ben de súbito.
-Que foi? - interrogou Peter.
-Bom, nós... nunca viemos a... a Nárnia, não temos armas nem conhecemos este mundo, não devíamos ir embora? - perguntou Ben.
-Não podes ir embora enquanto fores preciso em Nárnia - declarou Susan.
-Não gostas de estar aqui? - inquiriu Lucy. Ben olhou para mim e pareceu meditar.
-Gosto, mas... não sei qual poderá ser a minha utilidade aqui - admitiu ele.
-Nós sabemos lutar - declarei - nunca lutámos com espadas verdadeiras, é verdade, mas andamos na esgrima. Isso tem de ser útil.
-Bom, só há uma maneira de testar se são mesmo bons - comentou Peter - e por acaso temos connosco o melhor esgrimista de Nárnia.
Revirei os olhos perante o seu tom convencido. Ele riu-se com a minha expressão.
-Não sou eu, Melanie. O Edmund - afirmou. Eu e Ben olhámos para Edmund, mas eu depressa desviei o olhar. Os seus olhos castanhos davam-me arrepios e eu ainda estava a tentar descobrir se eram arrepios bons ou maus.
-Então porque nunca usaste uma espada quando lutavas comigo? - sorriu Ben. Edmund revirou os olhos, mas sorriu levemente.
-Oh, não sei, talvez porque é pouco provável levar uma espada comigo para Inglaterra - respondeu ele. Peter dirigiu-se novamente à sua arca, retirando duas espadas de lá de dentro, entregando a mais pesada a Ben e a mais leve a mim. Sem ser o peso, pareciam iguais, ambas prateadas e simples. 
-Não a subestimes só por ser rapariga - comentou Ben, com uma expressão divertida na cara - é uma das melhores esgrimistas na academia, melhor que muitos dos rapazes.
-Ai sim? - indagou Edmund, fitando-me - então luto com ela primeiro.
-Edmund... - disse Susan - é melhor não... espadas não são brinquedos, vocês podem magoar-se.
-Deixa lá, Susan - pediu Lucy. Susan cruzou os braços.
-Depois não digam que não vos avisei.
-Eu tenho isto, não te esqueças - sorriu Lucy, mostrando-lhe o frasco com o líquido vermelho. Virando-se para nós, disse: - é um frasco com sumo de flores de fogo que cura qualquer ferida.
-Prontos? - perguntou Peter, ele, Ben, Susan e Lucy a afastarem-se, deixando-me a mim e a Edmund no centro da sala. Sentia-me nervosa, mais nervosa do que em qualquer combate de esgrima em que já estivera e uma parte de mim dizia-me que era por causa de Edmund. Ele e eu acenámos com a cabeça a dizer que estávamos prontos - então o duelo pode começar.
Edmund avançou, mas eu bloqueei o ataque e instiguei. Ele era definitivamente bom esgrimista, provavelmente muito melhor que eu e devia estar só a facilitar-me a vida. Passámos alguns minutos sempre a atacar a e a contra-atacar, as espadas a tilintar quando se tocavam. A certa altura, eu ataquei com força e Edmund bloqueou, formando um X  com as espadas. Carreguei para baixo, enquanto Edmund fazia força para cima. Finalmente, ele conseguiu libertar-se, e num movimento rápido, ambos apontámos a espada ao pescoço um do outro. Fitámo-nos e depois fomos interrompidos por Susan.
-Ok, acho que já chega...
Eu e Edmund deixámos de apontar as espadas um ao outro.
-Espero que não tenhas feito de propósito e lutado menos bem do que lutas - declarei.
-Não, lutei como sempre luto - informou ele num tom seco, encolhendo os ombros.
-É verdade - assentiram Lucy, Susan e Peter ao mesmo tempo.
-Fazia-nos falta alguém do género feminino com tanto jeito para a espada, não fazia, Susan? - perguntou Lucy, entusiasmada - já que tu és tão boa no arco e flecha e eu só sei lutar com a minha adaga...
Estendi a espada a Peter, mas ele recusou.
-Fica com ela - afirmou - e tu também, Ben.
-Vamos mudar-nos para os nossos trajes. Vou tentar arranjar roupa que te sirva, Melanie - alegou Susan - Edmund, faz o mesmo com o Ben.
-O quê? - indagou ele. Susan olhou para ele.
-Deixa essas lutas infantis de lado, Ed - pediu ela. Ele suspirou, mas finalmente acedeu.

*

Susan emprestou-me uma camisola com mangas curtas e um colete, calças de caça castanhas, botas castanhas e um cinto para colocar espadas. 


Voltámos para a praia, encontrando um lago. Um barco com dois soldados e um anão louro navegava pelo mar e os dois soldados preparavam-se para mandar o anão, que estava amarrado, à água.


-Larguem-no! - ordenou Susan, correndo para perto da praia e lançando uma seta contra o barco. Os soldados assim fizeram, lançando-no para a água. Um deles preparou-se para pegar numa arma, mas Susan lançou-lhe uma seta. O outro soldado, com medo, lançou-se à agua. Ben, Peter e Edmund precipitaram-se para a água, os dois primeiros a ajudar o anão e Edmund a trazer o barco para a margem. Peter e Ben colocaram o anão na areia, enquanto Lucy lhe cortava as cordas com a sua adaga. 
-Larguem-no? Isso é o melhor que consegues arranjar? - resmungou o anão, olhando para Susan.
-Um simples obrigado seria suficiente - indagou ela.
-Eles estavam a conseguir afogar-me sem a tua ajuda - replicou o anão.
-Talvez devêssemos ter deixado - Peter disse, defendo a irmã.
-Porque é que eles estavam a tentar matar-te? - interrogou Lucy.
-São telmarinos, é isso que fazem - informou o anão, com desprezo na voz. Eu e Ben entreolhámo-nos. Que seriam telmarinos?
-Telmarinos? Em Nárnia? - questionou Edmund.
-Onde é que têm estado nas últimas centenas de anos? - perguntou o anão.
-É uma longa história - afirmou Susan.
-O que são telmarinos? - interrogou Ben.
-Habitantes de Telmar - respondeu Peter - inimigos de Nárnia. 
Peter pegou na sua espada com punho de leão. O anão observou-a atentamente e depois ele apercebeu-se quem eram aqueles quatro irmãos. 
-Só podem estar a brincar comigo... são vocês? São vocês os antigos reis e rainhas de Nárnia? - interpelou.
-Sim, isso foi o que eu pensei - corroborou Ben, recebendo olhares mal-humorados dos quatro irmãos. 
-Rei Peter... o Magnifico - apresentou-se Peter.
-Podias ter omitido essa última parte - sorriu Susan.
-Provavelmente - concordou o anão e depois pareceu aperceber-se finalmente da minha presença e da de Ben - e quem são vocês?
-Eles estavam na estação de comboios e vieram connosco - informou Lucy - são irmãos: Melanie e Ben Stanler.
O anão olhou-nos atentamente e depois voltou a fixar os olhos na espada de Peter.
-Podes ficar surpreendido - comentou o irmão mais velho.
-Tu não vais querer fazer isso, rapaz - avisou o anão.
-Eu não - concordou Peter e depois apontou para Edmund - ele.
Surpreendi-me com a confiança que Peter tinha em Edmund. Peter entregou a sua espada ao anão. Edmund desembainhou a sua espada, apontando-a ao anão. Este, com o peso da espada de Peter, enterrou levemente a espada na areia. Edmund olhou para os irmãos, sorrindo, achando que ia ser fácil. Mas enganou-se.
De repente, o anão levantou a espada da areia com uma facilidade extrema, atacando Edmund. Este conseguiu afastar-se, mas não o suficiente e a espada atingiu-o na cara, provocando-lhe um corte na testa.
-Oh, estás bem? - interpelou o anão em tom de gozo. Depois continuaram a esgrimir durante algum tempo. Eram ambos muito bons, mas no fim Edmund arrebatou a espada das mãos do anão, segurando a sua com as duas mãos por cima da cabeça e apontando-a ao anão.


-Barbas e bigodes! - exclamou este - talvez a trompa tenha mesmo funcionado, afinal.
Susan olhou-o, confusa.
-Que trompa? - perguntou.

Nárnia

-Eles estão outra vez a lutar! - revirei os olhos ao ouvir aquelas palavras. Seria, o quê, talvez... a milésima vez que as ouvia? Eles apenas não se conseguiam suportar. O meu irmão, Ben Stanler, tinha sempre motivos para lutar com Edmund Pevensie. E vice-versa. Levantei-me do banco onde estava sentada, na estação de comboios, fechei o livro que estava a ler e pu-lo na minha mala, seguindo os outros até ao local da luta, não muito longe dali. Um grande círculo rodeava o meu irmão e Edmund. Peter Pevensie, o irmão mais velho de Edmund, também lá estava, a lutar contra dois outros rapazes. Várias pessoas faziam apostas em quem ia ganhar e a grande maioria gritava a uma só voz "Luta! Luta! Luta!" Furei por entre a multidão de alunos, perguntando-me onde estariam os adultos quando precisávamos deles.


Eu tinha dezasseis anos, o meu irmão e Edmund dezassete, mas eu parecia sempre ser a irmã mais velha e tinha quase sempre de me intrometer nas lutas dele, à exceção de quando eram as irmãs de Edmund, Susan e Lucy, a acabar com a luta. Eu andava num colégio feminino, onde também andavam Susan e Lucy, e Ben, Edmund e Peter andavam num colégio masculino do outro lado da estrada.
Aproveitei um momento em que o meu irmão estava a recuar de um golpe de Edmund para me intrometer entre os dois. Edmund estava prestes a atacar novamente quando viu que era eu. Olhando-me nos olhos, baixou a mão. Ignorei os arrepios que me percorreram a espinha e virei-me para Ben.
-Parem com esta parvoíce, JÁ - ordenei, não querendo saber se estava a parecer patética ou mandona.
-Melanie, sai da frente, ainda não acabei! - grunhiu o meu irmão, tentando agarrar em Edmund.
-Acabou! - voltei a gritar, agarrando Ben pelos braços. Ele parou de se debater, olhando-me com uma expressão confusa - estou farta das vossas lutas patéticas, ok? Porque é que não conseguem falar civilizadamente sem partir para a violência?
-Diz a rapariga que pratica esgrima - Ben esboçou um sorriso sarcástico, mas eu ignorei-o. Sim, praticava esgrima, mas isso não fazia de mim uma pessoa violenta.
-Depois não te venhas queixar quando fores expulso do colégio ou algo assim - redargui - mas tudo bem, se queres continuar a ser um rapazolas imaturo, tu é que sabes.
Afastei-me e ouvi o apito de funcionários do comboio, eles a acabarem de vez com a luta.
Peguei no livro que andava a ler e sentei-me num banco, à espera do comboio. Pouco tempo depois, uma voz interrompeu a minha leitura.
-Posso juntar-me? - olhei para cima, reconhecendo vagamente um dos amigos estúpidos do meu irmão.
-Não, obrigada - respondi firmemente.
-Oh, vá lá, não sejas tímida - replicou ele, sentando-se ao meu lado na mesma. Fechei o livro e preparei-me para me levantar quando ele pôs uma mão firme sob o livro - queres sair comigo mais logo?
-Larga o livro - disse, por entre dentes. Ele revirou os olhos.
-É só um livro, deixa.
-Não é apenas um livro! Larga! - ordenei.
-Ouve...
-Ela já te disse para te ires embora - disse outra voz. Olhei para cima, reconhecendo Edmund Pevensie. Tinha o lábio inchado e um arranhão na bochecha esquerda, mas sem ser isso parecia estar bem.
-E tu mandas em mim, Pevensie? - implicou o outro.
-Lidei com o Ben, também consigo lidar contigo, estúpido - cuspiu Edmund. Perante o olhar sério e perigoso de Edmund, o rapaz soltou o meu livro e foi-se embora. Levantei-me do banco, embatendo contra Edmund. O livro caiu e baixámo-nos ao mesmo tempo para o apanhar.
Ele sorriu ironicamente ao ler o título.
-Acreditas neste tipo de histórias? - perguntou ele. Eu peguei no livro e levantei-me. O livro chamava-se "O Reino de Nárnia".
-Só porque leio não quer dizer que acredito. São histórias de fantasia - aleguei.
As sobrancelhas dele uniram-se, como se estivesse a meditar nalguma coisa.
-Pois bem. Fazes bem em não acreditar. Não passam do que são: histórias - indagou Edmund.
-Obrigada pele teu esclarecimento - revirei os olhos e afastei-me, pensando em como aquele Edmund Pevensie conseguia mesmo tirar-me do sério. Não admira que Ben andasse sempre à pancada com ele.
Como o comboio devia estar quase a chegar, fui procurar Ben para irmos juntos para casa. Avistei-o a falar com uma rapariga do meu colégio.
-Ben, anda – disse-lhe eu, mas ele nem ligou, continuando a falar com a rapariga como se eu não estivesse ali. Puxei-o pelo braço – vamos.
Afastei-o da rapariga e ele resmungou.
-Fogo, que desmancha-prazeres!
-Agradece quando chegares a casa por não teres perdido o comboio – sorri eu. Finalmente, o comboio chegou e um vento frio varreu-nos as roupas. Olhando por cima do ombro, vi os quatro irmãos Pevensie sentados num banco atrás de nós. Pareciam estar a discutir, com a irmã mais velha, Susan a levantar-se e depois os outros.
De repente, o mundo pareceu girar. Ouvi alguém dizer:
-Parece… magia.
O vento era cada vez mais forte. Agarrei no braço do meu irmão com força. De repente, a estação começou a desvanecer-se, todas as pessoas a desaparecerem. Perguntei-me se estaria a desmaiar. O comboio começou a andar e pelas janelas deste distinguia pedaços de praia, mas isso era impossível. Depois o comboio desapareceu, o vento parou e veio o silêncio. Mas eu e Ben já não estávamos na estação de comboios. Não, eu e Ben encontrávamo-nos numa gruta, inserida numa linda praia. E não estávamos sozinhos. Peter, Susan, Edmund e Lucy estavam atrás de nós, mas, ignorando-nos, correram para a praia. Eu e o meu irmão, ainda estonteados, sorrimos um para o outro, confusos mas maravilhados pela beleza daquela praia. A areia era branca, o mar azul-cristalino, e havia rochas e vegetação.



Os quatro irmãos Pevensie descalçaram-se, atiraram com as malas e com os casacos para a areia e correram para o mar, chapinhando e mandando água uns aos outros. Eu e Ben, esquecendo as rivalidades, fomos também. Tentei que ninguém me molhasse, mas Ben mergulhou a minha cabeça debaixo de água. Quando reemergi, tentei alcançá-lo, mas ele era um ótimo nadador. De repente, Lucy mandou-me água, e eu, para me desviar, virei-me, embatendo novamente contra Edmund, que também se virara para trás para se proteger de Peter. As nossas cabeças chocaram, mas felizmente não caí para trás. Depois ele olhou para a encosta, coberta de vegetação e de… ruínas?
-Onde é que estamos? – perguntou ele e a realidade abateu-se sobre mim. Sim, onde é que estávamos?
-Bom, onde é que achas que estamos? – sorriu Peter, um sorriso conhecedor. Eu e Ben olhámos um para o outro, confusos. O que se estaria ali a passar?
-Não me lembro de haverem ruínas em Nárnia – prosseguiu Edmund e o choque invadiu-me. A minha boca ficou seca. Nárnia era o mundo das histórias que eu lia! Histórias que há pouco Edmund dissera que não passavam disso mesmo, histórias!
-Não passam do que são, histórias, hã? – fiz eu ver, olhando para Edmund sarcasticamente. Ele sorriu ironicamente.
-Mas afinal, que raio se passa aqui? – questionou Ben, saindo da água e olhando para nós os cinco – afinal o que é isso de Nárnia? E alguém me sabe explicar como é que num minuto estamos na estação de comboio e no outro estamos numa praia?
-É uma longa história, para dizer a verdade – confidenciou Lucy – e realmente, não percebo porque é que vocês dois vieram connosco…
-Aslan deve achar que eles nos são úteis – declarou Peter. Aslan… o Grande Rei, o Grande Leão, fundador de Nárnia.
-Estou a sonhar? – perguntou Ben e eu e Lucy rimos – Melanie, de que é que te estás rir, devias estar tão confusa quanto eu!
-Pois, mas eu leio, Ben – saí da água, aproximando-me da minha mala. Com as mãos molhadas, retirei o livro “O reino de Nárnia” de lá de dentro, estendendo-o a Ben – pensava que eram apenas histórias, mas afinal… - e olhei para os quatro irmãos – Aslan, a feiticeira Branca, os anões, os centauros, os minotauros e os animais falantes… é tudo verdade.
Os irmãos Pevensie acenaram com a cabeça. Eu sentia-me à toa, mas bastante entusiasmada, para ser sincera. Dentro de mim, sempre houvera esperança de que existissem outros mundos, mundos como Nárnia. Depois percebi.
-Vocês… - olhei para Peter, Susan, Edmund e Lucy demoradamente – dois filhos de Adão e duas filhas de Eva… são os reis e rainhas de Nárnia, os irmãos da profecia que derrotaram a feiticeira Branca!
Os quatro sorriram com orgulho e saíram da água.
-Rei Peter, o Magnífico – disse Peter.
-Rainha Susan, a Gentil – afirmou Susan.
-Rei Edmund, o Justo – declarou Edmund.
-Rainha Lucy, a Valorosa – finalizou Lucy.
-Ok, eu estou definitivamente a sonhar – comentou o meu irmão.
-Ben! – exclamei – tu sabes que estás acordado! É real e sei que é difícil de acreditar, mas tudo isto… tudo isto é real e nós estamos aqui. Se Aslan nos convocou, então temos de ser-lhe útil.
-Quem é esse Aslan, afinal? – questionou Ben.
-Aslan é o Grande Leão, o fundador de Nárnia – afirmou Lucy – e…
A pouco e pouco, eu e Bem fomos percebendo toda a história, contada pelos quatro irmãos. Falaram-nos da forma como tinham encontrado um guarda-roupa mágico que os levara até Nárnia, naquela altura confinado a um Inverno gelado por parte da Feiticeira Branca. Falaram-nos da guerra, da vitória deles e de Aslan, de como cresceram e se tornaram adultos em Nárnia e contaram-nos como um dia tinham regressado ao guarda-roupa, voltando ao mundo real, e voltando a ser crianças.
-Então quer dizer que por mais tempo que passemos em Nárnia, seja uma hora um dia ou cem anos, no mundo real o tempo não avançou?
-Exato. Podes envelhecer aqui que quando voltares ao mundo real, voltas à estação de comboio – disse Susan.
-E se morrermos aqui? – perguntou Ben. Os quatro irmãos olharam uns para os outros – esqueçam, não quero saber.
-Vamos explorar as ruínas – propôs Peter. Os outros começaram a subir a encosta. Fiquei para trás, secando o livro com o casaco que deixara na areia. Quando o coloquei de novo na minha mala, olhei para o lado. A poucos metros, Edmund encontrava-se a torcer a camisa, em tronco nu. Estava de costas, mas quando se virou para mim os meus olhos não conseguiram deixar de fitar o torso musculado dele.
-A gostar do que vês? – instigou ele. Revirei os olhos, desviando finalmente o olhar e encaminhando-me para a encosta.
-Querias – ripostei. Ele esboçou um sorriso sarcástico, seguindo-me. Os outros exploravam as ruínas. Olhei maravilhada há minha volta.
-Quem será que viveu aqui? – interrogou-se Lucy. Aproximei-me dela e vi Susan a pegar em algo caído no chão. Era uma peça de xadrez de ouro.
-Acho que fomos nós – alegou ela.
-Ei, isso é meu! – exclamou Edmund, aproximando-se, já com a camisa vestida – do meu tabuleiro de xadrez.
-Que tabuleiro de xadrez? – inquiriu Peter, seguido por Ben.
-Bom, eu não tinha exatamente tabuleiros de xadrez de ouro em Inglaterra – fez Edmund ver.
-Vocês viviam mesmo bem – comentou Ben.
-Éramos reis – afirmou Peter. Lucy olhou em volta.
-Não pode ser – disse ela, num sussurro, desatando a correr. Seguimo-la – não conseguem ver?
-O quê? – questionou Peter, confuso. Estávamos num grande descampado, cheio de ruínas. Lucy começou a colocar Peter, Susan e Edmund em ordem, dizendo:
-Imaginem paredes. E colunas ali. E um teto de vidro.




-Cair Paravel – murmurou Peter e eu reconheci o nome. Era o castelo onde os dois reis e as duas rainhas de Nárnia viviam. Ben preparou-se para perguntar o que isso era:
-O castelo onde eles viviam – adiantei-me eu. Edmund chegou-se perto de uma pedra redonda.
-Catapultas – alegou.
-Hã?
-Cair Paravel não ficou em ruínas sem querer – esclareceu ele – foi um ataque.
-De quem? – inquiri.
-É isso que vamos ter de descobrir – informou Susan. Peter e Edmund afastaram uma rocha do caminho, revelando uma velha porta de madeira. Peter rasgou um bocado da sua camisa, enrolando-a à volta de uma pedra e com outra fazendo fricção, tentado fazer fogo.
-Suponho que não tenhas nenhuns fósforos? – perguntou ele a Edmund.  
-Não, mas… - disse ele, remexendo na sua mala e tirando de lá de dentro uma lanterna elétrica – isto ajuda?
-Podias ter mencionado isso um pouco antes – sorriu Peter. Edmund entrou pela porta e Peter fez-nos sinal para entrar. Lucy seguiu Edmund, depois Susan, em seguida eu, atrás de mim Ben e por fim Peter. 
A sala era redonda e continha quatro estátuas, duas de mulheres e duas de homens e à frente de cada uma delas havia uma arca de pedra.