quinta-feira, 5 de junho de 2014

Adeus

Nessa noite, organizou-se um baile no castelo de Cair Paravel, que, pela ação mágica de Aslan, recuperara a sua magnificência. Lucy dera-me um pouco do seu sumo de flores de fogo, curando a minha ferida no ombro esquerdo. 

Cair Paravel

Encontrava-me num quarto de hóspedes à espera de Susan e Lucy, que me haviam dito que iam encontrar o vestido perfeito para mim. Por um lado, eu não era muito adepta de vestidos, mas por outro sabia que gostaria de experimentar um vestido de Nárnia. Finalmente Susan e Lucy regressaram com um vestido lindo e elegante.
-É para mim? - perguntei.
-Sim - assentiram elas.
-Adoro - respondi.
Nas horas seguintes eu, Susan e Lucy ajudámo-nos umas às outras com penteados, maquilhagem e roupas, coisas que normalmente eu detestava. Depressa chegou a hora do baile. 
-O Edmund vai adorar ver-te assim - afirmou Lucy.
Lucy e Susan tinham penteado o meu cabelo louro, eu tinha vestido o meu vestido e estávamos prontas para o baile.
 
 

Nervosas, descemos as escadas para o salão de festas, onde já havia vários narnianos. O meu olhar passou por Edmund. Quando me viu, a sua cara encheu-se de felicidade. Cheguei até ele.
-Estás linda - disse-me ele.
-Obrigada - respondi. Olhei para Ben, que se encontrava ali perto com uma rapariga telmarina que viera para Nárnia quando era nova.
-Divirtam-se - disse ele ao passar por nós.
-Vocês também - afirmei.
-Queres dançar? - questionou Edmund. Fiz que sim com a cabeça e Edmund colocou uma mão na minha cintura. Lentamente começámos a rodopiar, juntos, felizes - aquele beijo mais cedo... 
Impulsivamente coloquei os meus lábios no dele.
-Foi tão bom como este? - gracejei. Edmund sorriu e olhou-me nos olhos. Susan e Caspian dançavam apaixonadamente. Lucy dançava com Trumpkin animadamente e Ben e a rapariga telmarina riam-se juntos.
-Desculpa nunca te ter dito, Melanie, e ter provocado todas aquelas confusões com o teu irmão. Mas não conseguia parar de olhar para ti. Tal como agora. És diferente de todas as outras raparigas e... e eu amo-te.
Os seus olhos castanhos fitaram os meus. Naquele momento não tive dúvidas.
-Eu também te amo - respondi. Ele aproximou-se e beijou-me e o resto do baile passou a voar.

*

No dia seguinte, na praça, os telmarinos reuniram-se aos narnianos para ouvir Caspian. 





Tive de vestir um novo vestido, também escolhido por Susan e Lucy, desta vez azul.


Caspian, agora rei de Nárnia, começou a falar. 
-Nárnia pertence aos narnianos tal como pertence aos homens. Qualquer telmarino que quiser viver em  paz em Nárnia é bem-vindo. E para aqueles que quiserem, Aslan far-vos-à regressar à terra dos vossos antepassados, a mesma terra de onde vieram os nossos reis e rainhas.
-É para aí que vos posso fazer regressar. É um bom lugar para todos aqueles que quiserem começar de novo - informou Aslan. 
-Eu vou. Aceito a proposta - declarou Glozelle, um dos homens mais chegados a Miraz. 
-Nós também vamos - disse a mulher de Miraz, carregando o filho de Miraz ao colo. 
-Porque foram os primeiros a falar, o vosso futuro nesse mundo será bom - alegou Aslan, bafejando sobre eles. Depois o tronco da árvore separou-se em dois, criando um portal para o nosso mundo.


Glozelle, a mulher de Miraz e o bebé passaram pelo portal, desaparecendo.
-Como é que sabemos que ele não nos está a levar para a morte? - gritou um telmarino da multidão.
-Majestade, se o nosso exemplo servir de alguma coisa, levarei onze ratos pelo portal sem pensar duas vezes - disse Reepicheep.
Peter deu um passo em frente.
-Nós vamos.
-Vamos? - perguntou Edmund.
-Vamos. O nosso tempo aqui acabou - declarou Peter - afinal, já não somos mais precisos aqui.
Peter olhou para Caspian e entregou-lhe a sua espada.
-Cuidarei dela até regressarem - afirmou Caspian.
-É esse o problema... nós não vamos voltar - disse Susan, olhando tristemente para Caspian. Senti uma pontada de dor no coração. Os tempos que passaram em Nárnia tinham sido os melhores da minha vida. E agora não íamos voltar?
-Não vamos? - perguntou Lucy, triste.
-Vocês os dois vão - disse Peter olhando para Lucy e Edmund - e talvez a Melanie e o Ben também. Pelo menos acho que é isso que Aslan quer dizer.
Lucy olhou para Aslan.
-Mas porquê? Eles fizeram algo de errado?
-Muito pelo contrário, querida. Mas todas as coisas têm o seu tempo. O teu irmão e irmã aprenderam o que puderam deste mundo. Agora chegou a altura de viverem no seu próprio - respondeu Aslan.
-Está tudo bem, Lu - confortou-a Peter - não é como eu esperava que fosse, mas não faz mal. Um dia vais compreender. Vamos.
Lentamente, despedimo-nos de Trumpkin, Trufflehunter, Reepicheep, Glenstorm, etc. 
Eu e Ben fomos ter com Caspian.
-Talvez nos voltemos a ver - disse eu.
-Espero que sim - respondeu Caspian - vocês são bons amigos. Vou ter saudades vossas.
-Nós também - afirmou Ben. Caspian abraçou-me e apertou a mão a Ben. Quando acabámos de nos despedir Susan foi ter com Caspian.
-Fico contente por ter voltado - disse ela.
-Gostaria de ter tido mais tempo contigo - Caspian olhou-a nos olhos.
-Nunca teria resultado entre nós, de qualquer maneira - alegou ela tristemente.
-Porque não? - interrogou Caspian, confuso.
-Sou 1300 anos mais velha que tu - sorriu Susan, indo-se embora. Mas depois reconsiderou e aproximou-se de Caspian, beijando-o finalmente. 


Depois abraçaram-se e Lucy disse:
-Tenho a certeza de que quando for mais velha vou entender.
-Eu sou mais velho e não tenho a certeza se quero entender - riu Edmund.
-Tu também não podes falar muito - sorriu Lucy, olhando para ele e depois para mim. Edmund corou levemente. Dando um último olhar à multidão, os Pevensie, eu e Ben dirigimo-nos à abertura das árvores. Assim que a atravessámos, o barulho de comboios encheu-me os ouvidos. Estávamos de volta à estação de comboios de onde partíramos, de volta ao nosso mundo. Entrámos no comboio, um pouco melancólicos.
-Acham que há alguma maneira de voltarmos? - questionou Lucy. Edmund procurou algo na sua mala.
-Deixei a minha lanterna fixe em Nárnia! - exclamou ele e todos rimos.

FIM

Aslan

Vi Caspian subir por uma rampa para o ar livre, e agora os telmarinos encontravam-se rodeados pelos narnianos tanto pela frente como por trás. 


Peguei na minha espada, golpeando telmarinos aqui e ali. A certa altura consegui arranjar outra espada, começando a lutar com duas. De repente, senti um golpe a rasgar-me a pele do ombro esquerdo. Cerrei os dentes. Vi Ben.
-Melanie! - gritou ele.
-Estou bem! - berrei de volta. Larguei a espada que segurava com o braço esquerdo e comecei apenas a lutar com o direito. Os telmarinos eram muitos comparados com os narnianos. Nunca conseguiríamos vencer. 
Assim Peter gritou "Recuar!" e os narnianos correram de volta à caverna, mas isso enfureceu os telmarinos que começaram a lançar pedras pelas catapultas, fazendo com que a rocha se desmoronasse e tapasse a entrada para a caverna. 
-Desculpa - disse Ben quando cheguei ao pé dele.
-Eu também - respondi.
Sem outro meio de agir, Peter mandou os narnianos avançarem e a batalha recomeçou. O ombro ainda me doía, mas não podia fraquejar. Subitamente, um telmarino conseguiu derrubar Ben, que caiu em terra. Eu estava muito longe dele e observei com  horror o telmarino a preparar-se para dar o golpe final. Só que ele nunca chegou a acontecer. Edmund apareceu, bloqueando o golpe, matando o telmarino e salvando Ben. Não tive tempo para ver mais nada pois recomecei a lutar. Depois, a terra tremeu violentamente.
As raízes da terra irromperam à superfície, numa manifestação terrível da natureza, destruindo telmarinos no seu caminho. Lucy. Conseguira chegar até Aslan. As raízes destruíram as catapultas dos telmarinos e estes assustados, começaram a recuar para a floresta.
Os narnianos avançaram sobre eles, seguindo-os, encurralando-os do outro lado da floresta, à beira-rio. 


Do outro lado da ponte, surgiu Lucy. Vi Edmund suspirar de alívio e fui juntar-me a ele, a Ben e aos outros. Depois, atrás de Lucy apareceu o leão mais majestoso e incrível que eu alguma vez vira. A sua pele parecia ouro e irradiava poder e respeito, mas também amabilidade. Era Aslan, o Grande Leão.


Pensando que uma rapariga e um leão não fariam nada comparados com o exército de telmarinos, Sopespian (o telmarino que matara Miraz) começou a avançar pela ponte.


Mas Aslan rugiu. Um rugido terrível, magnífico, profundo.


A água vibrou e uma onda enorme surgiu ao longo do rio. Vendo-a, o exército de Sopespian começou a recuar, mas o Deus do Rio formou-se nas ondas, avançando sobre eles.



Alguns telmarinos tentaram atravessar a ponte, outros atiraram-se à agua e Sopespian viu-se frente a frente com o Deus do Rio. Este elevou a ponte e por fim Sopespian desapareceu na imensidão das suas águas, ambos desaparecendo.


Os restos da ponte foram levados pelo rio e os telmarinos renderam-se, entregando as suas armas ao povo de Nárnia. Os Pevensie e Caspian percorreram o rio e avançaram para Lucy e Aslan, mas eu e Ben deixámo-nos ficar na outra margem.
-Estás bem? - perguntou-me ele.
-Só um pouco atordoada - afirmei - e tu?
-Também. E um pouco arrependido. 
-Vais parar de lutar com o Edmund agora? - questionei.
-Ok, eu admito que posso ter exagerado. E ele salvou-me a minha vida, sim. Mas não podes esperar que consiga assimilar tudo num dia. O facto de que vocês gostam um do outro ainda me é difícil de aceitar. 
-Mais vais acabar por o aceitar - declarei. 
-Melanie! Ben! - chamou Peter do outro lado do rio - venham!
Eu e Ben entreolhámo-nos, assustados por irmos conhecer Aslan. Nervosos, percorremos o rio, chegando à outra margem, onde também se encontram Trumpkin e Reepicheep. Troquei um olhar rápido com Edmund e depois olhei para Aslan.


-Acredito que ainda não nos conhecemos - proferiu ele numa voz aveludada e profunda que me enchia o coração, olhando ora para mim ora para Ben - mas ouvi falar muito de vocês.
-Perdão, majestade - disse eu numa voz fraca - mas porque nos chamou a Nárnia?
Aslan fixou o olhar em mim.
-Melanie Stanler, mostraste uma grande coragem e determinação ao longo da tua jornada aqui. Não achas que já sabes a resposta para a tua questão?
Não disse nada. 
-E eu? - interrogou Ben.
-Ben Stanler, tu também demonstraste uma grande coragem e determinação. Ambos encontraram o vosso propósito ao longo desta jornada. Precisavam de vir aqui para darem um rumo às vossas vidas.
Não conseguia parar de pensar que Aslan se referia a Edmund. Pelo meu lado, era porque me tinha apaixonado por ele. Pelo lado de Ben,. era porque tinha feito as pazes com ele.
-Agora declaro-vos Melanie Stanler, cavaleira de Nárnia, e Ben Stanler, cavaleiro de Nárnia - declarou Aslan, com um sorriso bondoso no rosto.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

O duelo

Eu e Edmund voltámos para dentro da caverna, onde Ben se encontrava com Peter, Lucy, Susan e Caspian. Por um lado, eu queria seguir o conselho de Edmund e fazer as pazes com Ben, mas o meu orgulho não me deixava.
-O duelo está marcado para amanhã - disse Edmund - é melhor a Susan e a Lucy se irem preparando para partirem para a floresta.
-Continuo a achar que isto não é uma boa ideia – resmungou Trumpkin, que apareceu entretanto.
-Não te preocupes, Trumpkin - disse Lucy – vai correr tudo bem assim que encontrarmos Aslan.
O nome do Grande Leão provocava em mim uma sensação quente e agradável, que me fazia lembrar os dias de Verão.
-Entretanto, eu tenho de me ir preparar para o duelo com o Miraz – declarou Peter e depois olhou para o irmão – Edmund?
-Claro, treino contigo – acedeu ele – mas não esperes que te facilite a vida.
Saíram os dois para uma sala vazia e Caspian e Ben foram ter com eles, enquanto Trumpkin regressou para junto de outros anões.
-Lamento que tu e o Ben se tenham chateado por causa do Edmund – disse Susan.
-Não foi a primeira vez – desabafei.
-Nós sabemos – disse Lucy muito depressa e depois olhou para Susan como se tivesse dito algo que não devia.
-Como? – perguntei.
-Bem… - começou Susan – na escola… eles estavam sempre a lutar por causa de ti. Pelo menos no princípio era por causa de ti, mas depois começaram a lutar por tudo e por nada.
-Porque raio é que eles iriam lutar por minha causa? – questionei.
-Tu eras a rapariga de quem te falei, Melanie – disse uma voz atrás dela. Virei-me, olhando para Ben – aquela porque eu e o Edmund estávamos sempre a lutar. Eu disse-te que não olhava para ela da mesma maneira que ele.
Abanei a cabeça, confusa, enquanto pensava na conversa que tivera com Ben. Este dissera-me de facto, que eles tinham começado as brigas devido a uma rapariga. “Mas, sabes, as maiores lutas eram aquelas que começavam por eu o ter apanhado a olhar para… a rapariga.”, revelara-me Ben. E logo a seguir declarara que não olhava para a rapariga da mesma forma que Edmund a olhava. Seria possível que essa rapariga fosse eu? Fazia sentido, mas não conseguia acreditar… quer dizer, eu e Edmund mal nos falávamos naquela altura… e no entanto, Ben apanhara-o a olhar para mim?
-Eu lembro-me da nossa primeira luta – continuou Ben – ele estava a observar-te a ler, fora dos portões da vossa escola, enquanto esperava por Lucy.
-E isso foi suficiente para lhe bateres? – inquiri, não conseguindo perceber se me sentia mais irritada pelo facto de Ben começar a brigar por coisas insignificantes se pelo facto de nunca ter percebido que era a razão das lutas deles e de nunca me ter apercebido de que Edmund me observava – ao menos estás arrependido?
Ben não respondeu, limitando-se a cravar o olhar no chão. Abanei a cabeça e sai para fora da caverna, vendo as tendas que o exército de Miraz montara do outro lado do descampado.
-Rapazes – disse Lucy aproximando-se – resolvem sempre tudo a lutar.
-Sinto-me tão estúpida. Nunca percebi que era por minha causa, percebes? – comentei.
-Eu lembro-me que o Peter o costumava provocar – declarou Lucy – dizendo que ele não tinha coragem para ir falar contigo e isso.
-Então toda a gente sabia disto menos eu?
-Bom, nós não sabíamos exatamente o que é que o Edmund sentia por ti, mas para estar sempre a olhar para ti...
Permanecemos ambas caladas durante algum tempo, a observar o sol a pôr-se lentamente. Depois Lucy quebrou o silêncio:
-Tu também gostas dele, não gostas?
Fiquei calada. Não sabia o que responder. Lucy sorriu levemente. Eu sabia que ela interpretava o meu silêncio como um sim. E talvez o meu coração também. 

*


No dia seguinte era o duelo entre Peter e Miraz. De manhãzinha Lucy e Susan partiram no cavalo de Caspian para a floresta, em busca de Aslan. Entretanto, Peter e Miraz equiparam-se e à entrada da caverna uma multidão de narnianos aplaudia Peter. Olhei para Edmund, que seguiu Peter até às ruínas onde se daria o duelo. Ele olhou para mim. A poucos metros de mim encontrava-se Ben, e não sabia onde estava Caspian. Eu e o meu irmão estávamos ambos com a armadura posta, prontos para combater se fosse preciso.
-Ainda há tempo para a rendição - ouvi Miraz dizer a Peter.
-Esteja à vontade - replicou Peter.
-Quantos mais devem morrer pelo trono? - questionou Miraz.
-Apenas um! - exclamou Peter, pondo o capacete na cara e empunhando a espada. O som de espadas e de metais a bater era constante à medida que o duelo avançava. 


A certa altura Peter caiu ao chão e conseguiu por sorte desviar-se dos golpes de Miraz e quando finalmente se conseguiu levantar parecia ter deslocado o ombro. Em seguida ouviu-se o som de cascos e vindos da floresta apareceram Caspian e Susan montados no cavalo, sem sinais de Lucy. Então Caspian não conseguira evitar ir ter com elas à floresta.
-Sua alteza precisa de um descanso? - perguntou Miraz.
-Cinco minutos - pediu Peter.
-Três - indagou Miraz. Assim, Miraz dirigiu-se aos telmarinos e Peter a Edmund, Susan e Caspian.
-A Lucy? - perguntou ele a Susan e Caspian quando saíram do cavalo.
-Conseguiu avançar - disse Susan. Peter olhou para Caspian.
-Obrigado. 
-Tu estavas ocupado - respondeu Caspian, humilde. Trocaram mais algumas palavras e Susan correu de encontro aos narnianos, posicionando-se junto aos arqueiros, nomeadamente Trumpkin. Depois ouvi Peter dizer a Edmund:
-Estiveste sempre ao meu lado e eu nunca... - mas foi interrompido por Edmund, que conseguiu colocar o ombro de Peter de volta ao lugar.
-Deixa isso para depois - replicou Edmund.
Finalmente, acabou a pausa e Peter e Miraz voltaram ao círculo de ruínas. A luta recomeçou e Miraz atacou em força e em pouco tempo derrubou Peter, que se conseguiu levantar. Continuaram a lutar até Peter atingir Miraz numa perna, onde este já estava ferido. Miraz caiu de joelhos no chão, dizendo:
-Pausa!
-Peter, não é hora para cavalheirismos! - gritou Edmund. Peter nada fez e virou-se, mas Miraz levantou-se e preparou-se para atacar. Peter bloqueou-lhe o ataque e golpeou Miraz, que novamente caiu no chão de joelhos. Peter preparou o golpe fatal, mas hesitou. 
-Qual é o problema, rapaz? - instigou Miraz - és cobarde demais para tirar uma vida?
-Não me cabe a mim tirá-la - respondeu Peter, estendendo a espada a Caspian, que, também um pouco hesitante, avançou e pegou-lhe. Quando Caspian se preparava para golpear Miraz, este disse:
-Acho que me enganei. Talvez tu tenhas as qualidades de um rei telmarino, afinal. 
Gritando, Caspian avançou, espetando a espada mesmo em frente a Miraz, num tufo de relva. 
-Não igual a ti - disse ele - só quero devolver aos narnianos o reino deles.
Caspian virou-lhe costas e foi saudado pelos narnianos, que irromperam em festejos. Eu, no entanto, fixei o olhar num telmarino que se aproximou de Miraz e após uma breve troca de palavras entre os dois, o telmarino espetou uma seta em Miraz. Os narnianos interromperam os festejos e ficou tudo calado, vendo Miraz cair no chão, morto, até que o telmarino que lhe espetara com a seta berrou:
-Traição! Lançaram contra ele! Assassinaram o rei!
Peter, vendo que aquilo ia acabar mal, gritou aos narnianos:
-Preparem-se!
Olhei para Ben, vendo que a batalha ia começar. Ele assentiu levemente a cabeça, e soube que tínhamos feito as pazes. Os telmarinos começaram a lançar pedras através de catapultas para cima de nós. Muitos narnianos tinham ficado dentro da caverna por causa do plano, e de certeza que sentiram a terra estremecer. 
Finalmente, os telmarinos avançaram com os cavalos. Susan preparou os arqueiros e uma chuva de setas voou de encontro a eles. Sentia o meu coração a bater a mil quando desembainhei a minha espada. Caspian entrou dentro da caverna, fazendo sinal aos narnianos lá em baixo para golpearem os pilares de pedra, o que faria a terra desabar e os telmarinos caírem.



Assim foi, e alguns recuaram, mas outros começaram a levantar-se.
-Atacar! - gritou Peter e as minhas pernas começaram a mover-se sozinhas, impelindo-me para Edmund.
-Edmund! - chamei. Ele virou-se para trás, a espada na mão.
-Mantém-te a salvo - pedi. Ele sorriu.
-Tu também - disse ele. Percebi que não conseguia deixá-lo ir sem mais nada, lembrando-me da aflição com que ficara quando ele fora anunciar o duelo a Miraz. Por isso, não me importando com mais nada, aproximei-me e pousei os meus lábios nos dele. Após um segundo, ele correspondeu e o meu coração começou a bater ainda mais depressa. O beijo foi fugaz, mas intenso e apaixonado. Afastámo-nos, sorrimos, ele subiu para o seu cavalo e eu avancei para a batalha.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Volta para mim

-Podemos propor a Miraz um duelo até à morte - disse Caspian - apesar de ele poder recusar, pois tem as melhores armas e o maior exército, vai ser difícil dizer não à frente de todos, pois não vai querer mostrar parte fraca e se recusar, os outros interpretarão isso como tendo medo.
Peter meditou no seu plano durante algum tempo.
-Tens razão. É uma boa ideia. Desafiá-lo-ei para lutar comigo num duelo até à morte e a recompensa será total rendição - afirmou ele.
-Peter... - interferiu Susan, preocupada.
-Não te preocupes, Susan. Ele é mais velho, vai cansar-se mais depressa - declarou Peter.
-Mas tem mais experiência - redarguiu ela. 
-Eu consigo fazer isto - disse Peter com determinação e nem Susan ousou ripostar quando viu o seu olhar feroz e decidido - Edmund, tu, um dos gigantes e Glenstrom levarão um comunicado a Miraz a propor o duelo.
Isso deixou-me algo inquieta. Miraz era homem para matar Edmund assim que ele lá chegasse, mas vendo a cara de orgulho de Edmund por o irmão mais velho o ter destacado para aquela missão, não consegui dizer nada. Assim, quando Peter acabou de escrever o comunicado e o entregou a Edmund, que saiu da sala e se dirigiu lá para fora, não esperei pelos outros nem pensei em Ben. Corri atrás de Edmund, agarrando-o à entrada da caverna. Os outros vieram atrás de mim, e Ben parecia ir ripostar, mas ouvi Caspian a mandá-lo calar.
-Edmund... - murmurei eu, sem conseguir decidir o que havia de dizer. Ele sorriu-me apaziguadoramente, mas ao mesmo tempo com um sorriso travesso. 
-Estás com medo que o Miraz me magoe? Não tens confiança suficiente no melhor esgrimista que conheces?
-Então devias ser tu a lutar com Miraz e não Peter - repliquei, sorrindo, mas depois fiz uma cara séria - mas a sério, Edmund, sê cauteloso. Não gostaria de não ter ninguém com quem lutar tão avidamente. 
-Melanie, em tempos fui Rei. Sei ser cauteloso. Não te preocupes, tudo vai correr bem - ele sorriu-me e depois preparou-se para ir ter com o gigante e com Glenstorm, que o esperavam mais à frente, mas antes disso, deti-o e abracei-o. Não suportava vê-lo ir-se embora, sem saber o que lhe podia acontecer, embora todos me garantissem que Miraz não lhe faria nada. Na verdade, apetecia-me fazer mais do que abraçá-lo, mas não tinha coragem, embora os meus olhos tivessem vacilado entre os seus olhos e os seus lábios. Ele abraçou-me de volta, um pouco admirado. 
-Volta são e salvo... - murmurei, com a cabeça encostada no seu peito, e depois baixei tanto a voz que fiquei com a impressão de que ele não ouviu - para mim.
Mas depois ele disse:
-Assim o farei - ele sorriu-me mais uma vez, o que me fez corar imenso e depois seguiu o gigante e Glenstorm até à linha do inimigo. Virei-me, corando ainda mais quando vi toda a gente a olhar-me. Peter, Susan, Lucy e Caspian sorriam, mas Ben tinha uma expressão furiosa.
-Agora não me digas que não se passa nada entre ti e ele! - gritou ele tão alto que fiquei com a sensação que Edmund tinha ouvido, apesar de já estar tão longe.
De súbito, fiquei farta da proteção e controlo exagerados de Ben. Se eu queria estar com Edmund, não seria Ben que me impediria! 
-E se passar, qual é o problema? – berrei em resposta – não tens nada a ver com isso!
Ainda o ouvi gritar em resposta “Tenho si, sou teu irmão”, mas afastei-me em direção às ruínas, para ver melhor se Edmund e os outros já tinham chegado até ao inimigo.
-Não ligues ao Ben – disse Caspian, aproximando-se, que já voltara a dar-se com Peter.
-Mas ele consegue ser tão irritante às vezes.
-É normal que ele se preocupe contigo. Se eu tivesse uma irmã, também não gostaria de a ver apaixonar-se pelo meu inimigo de escola – declarou Caspian.
-Mas eles não têm razões para serem “inimigos”! E eu não me estou a apaixonar pelo Edmund! – contestei.
-Tens a certeza disso? – sorriu Caspian.
-Eu não posso… - murmurei.
-E porque não? – indagou Caspian.
-Porque… - mordi o lábio inferior – porque ele é um rei, e eu sou apenas uma rapariga normal. Porque ele não vai querer alguém desinteressante como eu. Por causa do Ben, também.
-Não devias pensar assim – disse Caspian – eu, como rapaz, acho-te muito interessante. És lutadora e determinada, e tens uma personalidade forte. Na minha opinião, acho que o Edmund também gosta de ti. E já te disse para não ligares ao Ben. Mais cedo ou mais tarde ele vai ter de perceber que és tu quem decide o que queres, e se escolheres o Edmund, o Ben não te pode impedir. 
-Porque é insistes tanto em mim e no Edmund? - inquiri.
-Porque vocês ficam bem juntos. E fazem bem um ao outro. Olha, vêm ali - Caspian apontou em frente, onde constatei, aliviada, que, de facto, Edmund, Glenstorm e o gigante regressavam, com um ar satisfeito, pelo que Miraz deve ter aceite a proposta. Tinha ficado com tanto medo de Edmund ser morto que jurei a mim mesma que da próxima vez que houvesse um conflito em que não teria a certeza se ele voltaria, faria aquilo que já quisera fazer. E apercebi-me que não o quisera fazer apenas quando o abraçara há pouco, mas pelo menos desde o momento em que ele me tirou do castelo de Telmar e talvez até antes disso, quando o vira em tronco nu no dia em que chegáramos a Nárnia. 
-Aceitaram - afirmou ele quando chegou ao pé de nós. 
-Miraz é traiçoeiro, é provável que tente fazer batota - declarou Caspian, mas eu não estava realmente a ouvi-lo. Os olhos escuros de Edmund fitavam os meus, o que me fazia sentir arrepios quentes - vou avisar os outros.
Caspian deu meia volta e foi-se embora. 
-Lamento que tu e o Ben se tenham chateado por minha causa - afirmou Edmund, que provavelmente, como eu previra, ouvira a discussão barulhenta que eu e o meu irmão havíamos tido.
-Esquece isso. Agora temos de nos concentrar nos telmarinos.
-Mas, Melanie, se o duelo acabar mal e houver uma guerra, certifica-te que fazes as pazes com o Ben antes. Não vais querer ficar chateada com ele se lhe acontecer alguma coisa – avisou-me Edmund.
-Ok, Edmund, obrigada – agradeci, sabendo que o que ele dizia era verdade.  
-Espero que o Peter ganhe. Não suportaria ver o Peter…
-Edmund, sei que não deixarias as coisas chegar a esse ponto. Mesmo que isso significasse um desrespeito pelas regras e acabasse em guerra, não deixarias o teu irmão morrer enquanto assistias – aleguei.
-Parece que me conheces melhor do que eu próprio – sorriu Edmund.
-É, há pessoas que têm esse efeito em nós – sorri eu em resposta, corando quando ele me olhou fixamente, com o seu olhar quente e enigmático que me fazia tremer da cabeça aos pés. Deus, o que é que se estava a passar comigo? Porque é que aquele rapaz me influenciava assim tanto, porque é que mexia tanto comigo? Caspian não estava certo ao afirmar que eu estava apaixonada por Edmund, pois não? Ou estava?

Planos

Dentro da caverna, parecia haver tanto a fazer, mas eu não era útil em nada. Havia vários feridos a curar, mas eu nunca fora boa nisso, e agora não tinha Asaf para conversar. Não sabia onde estava Ben ou Caspian, nem os Pevensie sem ser Edmund e Susan, que ainda deviam estar lá fora.
Assim, caminhei até ao fundo da sala principal, passando por mesas com espadas forjadas que me faziam lembrar Asaf e sentei-me no chão frio. Pouco depois, alguém se sentou a meu lado.
-Ele deu-ta, não foi? - perguntou o meu irmão - o Edmund. Deu-te a espada.
Não valia a pena negar, pelo que questionei:
-Como é que sabes?
-Não a tinhas a noite passada, quando invadimos o castelo, mas vinhas com ela depois de teres estado com o Edmund, pelo que ou tinhas encontrado a espada no castelo ou Edmund ta dera - declarou Ben.
-O meu irmãozinho anda a ficar esperto, hã? - gracejei eu.
-Que é se anda a passar entre vocês os dois? - interpelou ele - ou já vem desde os tempos da escola?
-Não, Ben, e não se anda a passar nada. Ele apenas me tirou do castelo, só isso - argumentei, tentando ignorar o meu ritmo cardíaco, que acabara de aumentar.
-Tu percebes que ele é, dos quatro Pevensies, aquele em que se pode confiar menos, certo?
-E então, porquê? - inquiri.
-Porque ele traiu os irmãos na primeira vez que vieram a Nárnia - alegou Ben. Engoli em seco. Sabia que na história que lera um dos irmãos traíra os outros, mas nunca pensara nesse facto até ali - e traiu-os por doces. A Feiticeira Branca dava-lhe doces e prometia-lhe que o tornaria Rei caso ele levasse os irmãos até ela.
-Está bem, mas ele arrependeu-se, não foi? - repliquei, lembrando-me do que acontecera ao rapaz na história - lutou contra a Feiticeira Branca na batalha e foi coroado rei de Nárnia, algo que não teria acontecido se ele não tivesse mudado mesmo e continuasse a ser um traidor. E agora está ao lado dos narnianos. Toda a gente merece uma segunda oportunidade.
-Apenas não quero que te magoes – proferiu Ben.
-Afinal, por que razão é que vocês lutavam, na escola? Nunca o cheguei a perceber – admiti. Ben ficou calado durante muito tempo, meditando no que havia de dizer. Por fim, disse apenas:
-Por causa de uma rapariga.
Engoli em seco, sentindo uma pontada de ciúmes. Quem seria essa rapariga? Provavelmente alguém por quem ambos tinham uma paixoneta.
-E todas as lutas que houve foram sempre por causa dela? – interroguei.
-Bem, nem todas – respondeu Ben – de facto, agora que penso nisso, eu e Edmund lutávamos por tudo e por nada. Bastava que ele fizesse ou dissesses algo que me irritasse para nos começarmos a provocar e a atacar, ou então era eu que provocava e tudo era pretexto para lutarmos. Como daquela vez, enquanto jogávamos futebol, que lhe preguei uma rasteira inocente ou quando ele se riu por eu ter falhado o penálti. Mas, sabes, as maiores lutas eram aquelas que começavam por eu o ter apanhado a olhar para… - Ben desviou o olhar, subitamente embaraçado – a rapariga.
-Oh, Ben, por causa disso? Agora ele não pode olhar para quem quer? Ou ele também te batia quando tu olhavas para ela?
Ben fez uma expressão estranha.
-Eu não olhava para ela da maneira que ele olhava, podes ter a certeza disso.
Encolhi os ombros.
-Vai dar ao mesmo. Será que vocês não são capazes de dialogar?
Foi a vez de Ben de encolher os ombros. Depois ouvimos um ruído parecido com o estilhaçar de vidro. Eu e Ben levantámo-nos, e vimos os quatro Pevensies, Trumpkin e Caspian a saírem da sala onde estava a Mesa de Pedra e o retrato de Aslan. Vinham todos com cara de poucos amigos. Caspian passou por nós e saiu lá para fora.
-O Nikabrik morreu – declarou Trumpkin.
-Que aconteceu? – questionou Ben.
-O Nikabrik trouxe um lobisomem e uma bruxa para invocarem de novo a Feiticeira Branca, para derrotar os telmarinos – explicou Susan – e tudo o que ela precisava era de uma gota de sangue de um filho de Adão. Tentou primeiro com Caspian, depois com Peter, mas eles revoltaram-se e lutaram contra eles. Nikabrik tentou apunhalar Lucy, mas Trumpkin matou-o. E depois o Edmund espetou a espada contra a parede de gelo onde se encontrava a Feiticeira Branca, e o gelo quebrou-se e assim ela desapareceu.
Olhei para Ben como que a dizer-lhe “eu disse-te que ele mudou”, mas ele ignorou-me. Não me parecia que ele fosse alguma vez mudar completamente de opinião acerca de Edmund. Depois Peter voltou para dentro da sala da Mesa de Pedra, Lucy seguiu-o e Susan foi ver de Caspian.
-Trumpkin, queres ajuda com o corpo do Nikabrik? – inquiriu Edmund.
-Eu posso ajudá-lo com isso – ofereceu-se Ben, não querendo ficar atrás de Edmund. Revirei os olhos, imaginando que seria por coisas daquelas, insignificantes, que eles começavam sempre a lutar.
-Deixe-se estar, rei Edmund, o Ben ajuda-me – disse Trumpkin e partiram os dois. Ben devia estar tão concentrado em não ser ultrapassado por Edmund que se esquecera que eu ficara sozinha com ele.
-Desculpa não ter ajudado. Se eu soubesse… - comecei eu, mas Edmund interrompeu-me.
-Tu não sabias. Sei que terias ajudado. Até o teu irmão teria.
A menção de Ben fez-me lembrar a rapariga por quem eles tanto discutiam. Eu conhecê-la-ia? Seria da minha escola? Talvez fosse até da minha turma! Se calhar era aquela com quem Ben estava quando eu o chamara para apanhar o comboio… 
-Queres treinar? – perguntou Edmund – isto, claro, se o teu irmão não se importar…
-Ele não é meu pai – contrapus – e cá para nós, tu és com quem eu mais gosto de esgrimir, porque és o que dás mais luta.
Edmund esboçou um meio sorriso travesso.
-Estás a admitir que eu sou o melhor?
-Não sabia que eras assim tão convencido! – ripostei.
-Só contigo – replicou ele, mas calou-se abruptamente.
-Estás a corar! – ri eu, pois não sabia que outra coisa podia fazer.
-Não estou! – argumentou ele, saindo lá para fora. Segui-o e provavelmente não devia ter-me rido dele pois ele aproveitou para me dificultar ainda mais a vida enquanto esgrimíamos. 
A certa altura, Edmund estacou. Eu encontrava-me de costas para a floresta, pelo que só quando me virei, sem considerar a possibilidade de aquilo poder só um truque de Edmund para me enganar e atacar, é que vi o que fizera Edmund parar. Um exército de telmarinos saía da floresta para o prado, em direção à caverna de Aslan.
-É melhor avisar o Peter e os outros que os telmarinos estão a chegar – disse Edmund, desaparecendo para o interior da caverna. Depois ele, os Pevensie, Caspian, Trumpkin e Ben juntaram-se a mim, enquanto observávamos o gigante exército deles a ordenar-se a vários metros de distancia de nós.





Rapidamente, reunimo-nos todos na sala da Mesa de Pedra para delinear um plano. 
-Com mil bombas, é esse o teu grande plano? - questionou Trumpkin a Peter após ele nos ter contado o que pretendia fazer - mandar uma menina, pela floresta escura, sozinha?
-É a nossa única hipótese - contrapôs Peter, que queria mandar Lucy e Susan pela floresta de forma a poderem encontrar Aslan. 
-E ela não vai estar sozinha - afirmou Susan. Trumpkin aproximou-se de Lucy, olhando-a nos olhos.
-Já não morreram demasiados de nós? - perguntou.
-Nikabrik também era meu amigo - interveio Trufflehunter, o texugo - mas ele perdeu a esperança, e a rainha Lucy não, e muito menos eu.
Com isto, Reepicheep, o rato, desembainhou a sua espada, dizendo: 
-Por Aslan.
-Se é assim, vou contigo - disse Trumpkin a Lucy.
-Não, precisamos de ti aqui - declarou ela.
-Temos de os empatar até a Lucy e a Susan voltarem - alegou Peter. 
-Perdão - intercedeu Caspian e Peter olhou para ele com transtorno - Miraz pode ser um tirano, um assassino, mas como rei, está sujeito às tradições e expectativas dos seus súbditos. Existe uma em particular que nos pode dar algum tempo.
Olhámos todos para ele, expectantes, à espera que prosseguisse.

domingo, 30 de março de 2014

Fervor

De manhã, acordei com os pássaros a chilrear e por momentos temi que Edmund me tivesse abandonado, mas o grifo ainda se encontrava deitado atrás de mim e o rapaz encontrava-se a poucos metros de mim a comer uma maçã.
-Bom dia – disse ele.
-Bom dia – cumprimentei.
-Estás melhor? – perguntou ele. Tentei levantar-me, mas ainda me doía a perna – acho que isso responde há minha pergunta.
O sol ainda não ia alto, pelo que ainda devia ser muito cedo. Ele estendeu-me uma maçã, que eu comi.
-Agora é melhor voltarmos a montar no grifo e procurar os outros. Devem ir mais à frente na floresta em direção à caverna de Aslan – declarou Edmund.
-Certo – concordei. Desta vez, Edmund sentou-se no grifo e eu atrás dele, segurando a sua cintura. O animal levantou voo, batendo as suas grandes asas e dali a instantes sobrevoávamos o arvoredo, olhando para baixo à procura de sinais dos outros. Detestava não saber nada de Ben, e o mesmo se devia passar com Edmund em relação aos seus irmãos.
Por fim, avistámos um grande “desfile” de narnianos a furarem a floresta. Eram poucos comparados com os que tinham partido no dia anterior para invadir o castelo, mas mesmo assim eram muitos. O grifo avançou por cima do desfile, aterrando no início deste, onde caminhavam os irmãos Pevensie, Caspian… e Ben. Este veio a correr ter comigo, abraçando-me.
-Estás ferida? – perguntou.
-Não é nada. E tu?
-Não – Ben ajudou-me a sair do grifo, que voltou a levantar voo e nos acompanhou voando por cima de nós.
-Estiveram juntos este tempo todo? – inquiriu Peter, sorrindo.
-O Edmund tirou-me do castelo, pois o meu centauro foi atingido e golpearam-me a perna, de modo que não conseguia andar. Ele desceu com o grifo e ajudou-me a montá-lo.
Peter e Susan trocaram um olhar cúmplice, mas Ben fez um ar irritado.
-Ele não te magoou, pois não? – interpelou.
-Ele salvou-me, Ben – afirmei.
-Não foi nada demais – alegou Edmund.
-O Asaf? – perguntei de súbdito. Caspian e os Pevensie olharam-me, confusos, e Ben nunca mais o vira assim que entráramos no castelo, mas um fauno ali perto disse-me:
-Asaf Jovia? Eu estava a lutar ao lado dele. Lamento… vi-o cair no chão…
Engoli em seco, uma lágrima ameaçando escorrer-me pela cara. Só eu e Ben o tínhamos conhecido, e ia sentir a falta dele.
-Lamento – declarou Susan, amigavelmente.
-É melhor ires montada num centauro, se não consegues andar – proferiu Caspian, após um silêncio – Ben, ajuda-me.
Antes de saber o que estava a acontecer, Ben e Caspian pegaram-me e colocaram-me num centauro. Sentei-me e tentei esquecer que sentia falta de me agarrar à cintura de Edmund, além de Asaf ter falecido. Depois a parada recomeçou a andar. Por vezes apanhava Edmund a olhar para mim e outras vezes dava por mim a olhar para a sua nuca e era geralmente nessas alturas que Edmund olhava para trás, para mim, o que me fazia corar. Continuámos a caminhar durante algum tempo e por fim avistámos a orla da floresta, o prado e a caverna de Aslan. Vários narnianos esperavam-nos e Lucy veio a correr de dentro da caverna.




-Que aconteceu? – perguntou ela. Peter, com fervor na voz, respondeu-lhe:
-Pergunta-lhe a ele – e fez um movimento com a cabeça em direção a Caspian. Percebi que algo me escapara e que havia ali coisa. Algo no plano devia ter corrido mal e agora Peter e Caspian não se podiam ver.
-Peter – chamou Susan, defendendo Caspian, o que me fez reforçar a minha teoria de que ela podia gostar dele.
-Eu? – questionou Caspian, olhando Peter com raiva – tu podias ter ripostado. Ainda havia tempo.
-Não, não havia – replicou Peter – graças a ti. Se te tivesses restringido ao plano, aqueles soldados ainda poderiam estar vivos.
-E se tu tivesses ficado aqui como eu sugeri, de certeza que eles estariam aqui agora! – argumentou Caspian. 
-Tu é que nos chamaste, lembras-te? – acusou Peter.
-O meu primeiro erro – disse Caspian, e apesar de saber que ele só estava enervado e que provavelmente não queria dizer aquilo, fiquei magoada.
-Não! – contrapôs Peter – o teu primeiro erro foi pensares que conseguias lidar este povo!
Peter virou-lhe costas, mas Caspian chamou-o e Peter virou-se novamente para ele.
-Ei, não fui eu que abandonei Nárnia! – culpou Caspian.
-Tu invadiste Nárnia – incriminou Peter e Caspian passou por ele como um furacão – não tens mais direitos do que Miraz tem! Tu, ele, o teu pai… Nárnia está melhor sem vocês todos!
Caspian parou quando ouviu as palavras “o teu pai”. Depois virou-se para Peter, desembainhando a espada e Peter fez o mesmo, ambos a apontar as espadas ao pescoço um do outro.


Pararam quando Glenstorm se chegou à frente, com Trumpkin, o anão louro, nas suas mãos. Edmund ajudou-o a colocá-lo no chão.


Lucy correu para Trumpkin, desenroscando o seu frasco de sumo de flores de fogo e deitando uma gota na boca dele.


Depois, lentamente, Trumpkin abriu os olhos, dizendo:
-O que é vocês estão todos aí a fazer, parados, a olhar? Os telmarinos vão chegar não tarda nada.
Lucy sorriu para Trumpkin.
-Obrigado, minha querida pequena amiga - agradeceu-lhe ele. 
-Lu, dá um pouco do sumo à Melanie - disse Edmund, ajudando-me a sair do centauro.
Ben amparou-me e Lucy colocou uma gota de sumo de flores de fogo na ferida do meu pescoço, fazendo desaparecer aí a dor. Depois desenrolou a ligadura feita do pedaço de camisa de Edmund, olhando-o com um sorriso. Deitou também uma gota na minha perna direita e senti-me melhor, já conseguindo andar sozinha. 
-Desde quando é que tens duas espadas? - interpelou Ben, olhando para o coldre que eu tinha à cintura. Retirei primeiro a espada que Peter me dera, estendendo-lha.
-Obrigada, mas já não preciso dela.
Ele pegou-lhe, e depois desembainhei a espada que Edmund me oferecera. 
-Uau - exclamaram várias vozes. Eu e Edmund trocámos um olhar cúmplice, mas acho que Lucy e Susan repararam. 
-Se não se importam, preciso... de dar uma volta - declarei. Os outros olharam-me compreensivamente. Não me afastei da caverna, ficando por ali perto. Perguntei-me se Asaf teria tido uma morte rápida ou se fora lenta e dolorosa. Não conseguia evitar pensar nisso. Depois, os meus pensamentos desviaram-se para outra pessoa. Não sabia o que estava a sentir em relação a ele. Num momento parecia distante, no outro era tão amável... apercebi-me que nem sequer sabia as razões porque Edmund e Ben costumavam lutar na escola. Porque é que ele tinha de ser tão complicado?
Enquanto pensava nisto, chegaram-me vozes trazidas pela brisa fresca.
-Então foi por isso que os outros viram todas aquelas luzes confusas? - distingui a voz de Susan - porque deixaste cair a lanterna?
Houve um silêncio, e depois a pessoa em quem eu tinha estado a pensar falou:
-Sim... estava distraído... na verdade, estava a pensar na discussão que tinha tido com a Melanie e em como ela se podia magoar.
-Ela não te sai da cabeça - gracejou Susan.
-De qualquer maneira - afirmou Edmund - a lanterna caiu ao pé de um guarda que a apanhou e, não sabendo o que aquilo era, pôs-se a brincar com ela e a ligá-la e a desligá-la, e foram essas as luzes que os narnianos viram.
Arregalei os olhos quando compreendi. Nós, os narnianos, à espera do sinal de Edmund para entrar no castelo de Telmar, víramos umas luzes confusas e indistintas e decidíramos esperar por novo sinal. Agora sabia que essas luzes tinham sido provocadas porque Edmund tinha estado a pensar em mim.
-Depois consegui combater o guarda e apanhar a lanterna, dando um novo sinal e foi aí que os narnianos avançaram para o castelo - finalizou Edmund.
-O plano foi um fracasso e agora o Peter e o Caspian não param de pôr as culpas em cima um do outro - lamentou-se Susan.
-Nem tudo pode correr bem, essa é a verdade, mas não podemos desanimar. A guerra entre Nárnia e Telmar vai estalar em breve e temos de estar preparados - indagou Edmund.
-Agora falaste como um verdadeiro Rei - proferiu Susan. Nessa altura, as vozes aproximavam-se e decidi ir-me embora. Já ouvira coisas que não era suposto ter ouvido. Afastei-me em direção à entrada da caverna, o coração a bater forte no peito.

sábado, 29 de março de 2014

Espadas

Asterius arrombou o portão frágil, levando alguns soldados telmarinos à sua frente. Olhei para Ben, esperando que tudo corresse bem, e desembainhei a minha espada, inclinada no dorso do centauro. 
Quando passámos o portão e quando nos viram, Peter, Susan e Caspian desembainharam as suas espadas e prepararem-se para a luta. Muitos telmarinos, apercebendo-se da invasão, desceram as escadas do castelo rapidamente.  Não havia tempo para medo ou hesitações. O meu centauro, segurando duas espadas na mão, deferia golpes nos homens mais baixos, enquanto eu lutava com os telmarinos que iam em cavalos. Deferi golpes em vários telmarinos, que caiam dos seus cavalos a baixo. A certa altura, um telmarino lançou uma seta que acertou na pata do centauro que me segurava. Este segurou-se, mas depois cravaram-se-lhe mais duas e não aguentou, abatendo-se no chão. Caí com estrondo em cima dele.
-Segue sem mim - disse ele - por Nárnia e por Aslan...
Olhei uma última vez para o centauro caído, odiando não poder fazer nada para o ajudar e ter de o abandonar. No entanto, não tive muito mais tempo para pensar nisso pois comecei a lutar corpo a corpo com um soldado muito maior que eu. Ofereci resistência e fiz-lhe um corte no braço esquerdo, mas ele atingiu-me no pescoço, por pouco não mo cortando. A sangrar e com um único golpe golpeei-lhe a cabeça. Nesse momento, outro soldado telmarino começou a fechar os portões, mas Asterius correu para lá, suportando o peso do portão com o seu peso. Não ia conseguir aguentar muito mais, e ouviram-se as vozes de Peter e de Caspian a mandarem-nos retirar. 



Não sabia onde estava Ben ou Asaf e não conseguia ver os Pevensie ou Caspian. Estava longe do portão de saída, mas furei caminho, decapitando ou golpeando um soldado aqui ou acolá. De repente, senti uma dor dilacerante na perna direita e vi um telmarino a golpear-me com a espada. Afastei-o com uma cotovelada e depois atingi-o na cintura, mas não consegui andar. Tentei gritar e pedir ajuda, mas não encontrei a voz. À minha volta viam-se corpos caídos e gente a correr em direção aos portões. Era o fim para mim. Depois ouvi a voz. A voz que discutira comigo, mas que eu tinha de admitir que era a voz da razão.


-Melanie, agarra-me! - gritou Edmund, montado num grifo, que naquele momento rasava o chão. Edmund estendeu o braço e eu agarrei-o. Ele puxou-me com força para cima dele e o grifo não vacilou, levantando voo - agarra-te bem à minha cintura!
Assim o fiz, cerrando os dentes pois doía-me incrivelmente o corte da perna e o do pescoço, mas doía-me ainda mais o meu orgulho, pois no final fora Edmund que me salvara. Olhei para baixo, vendo Asterius a ser atingido com setas e a vacilar. Sabia que ele estava a ceder e que muitos narnianos ficariam para trás. Esperava que Ben já estivesse a salvo, pois não suportaria ter sobrevivido e ele não e também estava preocupada com Asaf, pois embora não o conhecesse há muito, tinha-me tornado amiga dele. 
Vi Asterius a ceder e a cair no chão, o portão a cair sobre ele. Muitos narnianos ficaram para trás, mas agora eram apenas uma mancha indistinta à medida que o grifo subia e íamos ficando cada vez mais longe do castelo.
-Estás magoada? – perguntou-me Edmund. Mordi o lábio inferior, não querendo admitir que ele tivera razão. Como eu não respondi, ele indagou: - deixa o orgulho de lado, Melanie, por favor.
-Só… no pescoço e na perna direita. Foi por causa do golpe na perna que não consegui correr em direção aos portões… mas Edmund… porque… porque desceste e me vieste ajudar? Logo a mim? – perguntei, num sussurro.
-A verdade é que… eu menti-te, hoje, quando te disse que só me importava contigo porque eras uma rapariga que se podia magoar seriamente. Não é só por causa disso. Na verdade, é muito mais do que isso.
Susti a respiração, apertando firmemente a cintura de Edmund e à espera que ele continuasse, mas ele não o fez. Não falámos mais, e estávamos a sobrevoar a floresta quando ele proferiu:
-É melhor descansarmos um bocado. O grifo também precisa de recuperar forças. Paramos naquela clareira e depois prosseguimos caminho, está bem?
-Sim – afirmei, cansada. O grifo desceu até pousar na clareira, rodeada por árvores grandes. Ouviam-se mochos e o barulho do vento nas árvores, e estava contente por não estar sozinha. Edmund e eu sentámo-nos no grifo. Depois o primeiro desceu do animal e ajudou-me, contra minha vontade, a sair dele. O grifo deitou-se no chão e eu e Edmund encostámo-nos a ele, recebendo o calor do primeiro.
-Golpearam-te no pescoço e na perna direita, certo? – interpelou Edmund. Fiz que sim com a cabeça – não tenho nenhum frasco mágico como o da Lucy que possa curar feridas, mas vou tentar fazer-te uma ligadura para o corte da perna.
-Não é preciso – afirmei, mas ele ou não me ouviu ou fez que não ouviu. Arrancou um pedaço da sua camisa e enrolou-o à volta da minha ferida. Depois pareceu lembrar-se de algo, retirando uma espada do coldre da sua cintura. Era a espada mais bonita que já vira, parecia fogo, em tons castanhos, laranjas e dourados. O punho era dourado e parecia de ouro.


-Roubei esta espada a um telmarino e achei que ias gostar – Edmund estendeu-ma.
-É para mim? – questionei, arregalando os olhos.
-Bom, sim… se…
-Obrigada – interrompi eu e ele sorriu levemente. Agarrei no punho da espada, que se adequava perfeitamente a mim. Não era pesada e era fácil de manejar e sentia-me embaraçada por Edmund se ter lembrado de mim, principalmente depois da nossa discussão. Ele ajudou-me a colocar a espada à cintura e depois recostámo-nos um no outro e no grifo. Sem saber como, tinha a cabeça pousada no peito dele, com a parte do pescoço que não estava ferida, e depois adormeci.