sexta-feira, 25 de abril de 2014

O duelo

Eu e Edmund voltámos para dentro da caverna, onde Ben se encontrava com Peter, Lucy, Susan e Caspian. Por um lado, eu queria seguir o conselho de Edmund e fazer as pazes com Ben, mas o meu orgulho não me deixava.
-O duelo está marcado para amanhã - disse Edmund - é melhor a Susan e a Lucy se irem preparando para partirem para a floresta.
-Continuo a achar que isto não é uma boa ideia – resmungou Trumpkin, que apareceu entretanto.
-Não te preocupes, Trumpkin - disse Lucy – vai correr tudo bem assim que encontrarmos Aslan.
O nome do Grande Leão provocava em mim uma sensação quente e agradável, que me fazia lembrar os dias de Verão.
-Entretanto, eu tenho de me ir preparar para o duelo com o Miraz – declarou Peter e depois olhou para o irmão – Edmund?
-Claro, treino contigo – acedeu ele – mas não esperes que te facilite a vida.
Saíram os dois para uma sala vazia e Caspian e Ben foram ter com eles, enquanto Trumpkin regressou para junto de outros anões.
-Lamento que tu e o Ben se tenham chateado por causa do Edmund – disse Susan.
-Não foi a primeira vez – desabafei.
-Nós sabemos – disse Lucy muito depressa e depois olhou para Susan como se tivesse dito algo que não devia.
-Como? – perguntei.
-Bem… - começou Susan – na escola… eles estavam sempre a lutar por causa de ti. Pelo menos no princípio era por causa de ti, mas depois começaram a lutar por tudo e por nada.
-Porque raio é que eles iriam lutar por minha causa? – questionei.
-Tu eras a rapariga de quem te falei, Melanie – disse uma voz atrás dela. Virei-me, olhando para Ben – aquela porque eu e o Edmund estávamos sempre a lutar. Eu disse-te que não olhava para ela da mesma maneira que ele.
Abanei a cabeça, confusa, enquanto pensava na conversa que tivera com Ben. Este dissera-me de facto, que eles tinham começado as brigas devido a uma rapariga. “Mas, sabes, as maiores lutas eram aquelas que começavam por eu o ter apanhado a olhar para… a rapariga.”, revelara-me Ben. E logo a seguir declarara que não olhava para a rapariga da mesma forma que Edmund a olhava. Seria possível que essa rapariga fosse eu? Fazia sentido, mas não conseguia acreditar… quer dizer, eu e Edmund mal nos falávamos naquela altura… e no entanto, Ben apanhara-o a olhar para mim?
-Eu lembro-me da nossa primeira luta – continuou Ben – ele estava a observar-te a ler, fora dos portões da vossa escola, enquanto esperava por Lucy.
-E isso foi suficiente para lhe bateres? – inquiri, não conseguindo perceber se me sentia mais irritada pelo facto de Ben começar a brigar por coisas insignificantes se pelo facto de nunca ter percebido que era a razão das lutas deles e de nunca me ter apercebido de que Edmund me observava – ao menos estás arrependido?
Ben não respondeu, limitando-se a cravar o olhar no chão. Abanei a cabeça e sai para fora da caverna, vendo as tendas que o exército de Miraz montara do outro lado do descampado.
-Rapazes – disse Lucy aproximando-se – resolvem sempre tudo a lutar.
-Sinto-me tão estúpida. Nunca percebi que era por minha causa, percebes? – comentei.
-Eu lembro-me que o Peter o costumava provocar – declarou Lucy – dizendo que ele não tinha coragem para ir falar contigo e isso.
-Então toda a gente sabia disto menos eu?
-Bom, nós não sabíamos exatamente o que é que o Edmund sentia por ti, mas para estar sempre a olhar para ti...
Permanecemos ambas caladas durante algum tempo, a observar o sol a pôr-se lentamente. Depois Lucy quebrou o silêncio:
-Tu também gostas dele, não gostas?
Fiquei calada. Não sabia o que responder. Lucy sorriu levemente. Eu sabia que ela interpretava o meu silêncio como um sim. E talvez o meu coração também. 

*


No dia seguinte era o duelo entre Peter e Miraz. De manhãzinha Lucy e Susan partiram no cavalo de Caspian para a floresta, em busca de Aslan. Entretanto, Peter e Miraz equiparam-se e à entrada da caverna uma multidão de narnianos aplaudia Peter. Olhei para Edmund, que seguiu Peter até às ruínas onde se daria o duelo. Ele olhou para mim. A poucos metros de mim encontrava-se Ben, e não sabia onde estava Caspian. Eu e o meu irmão estávamos ambos com a armadura posta, prontos para combater se fosse preciso.
-Ainda há tempo para a rendição - ouvi Miraz dizer a Peter.
-Esteja à vontade - replicou Peter.
-Quantos mais devem morrer pelo trono? - questionou Miraz.
-Apenas um! - exclamou Peter, pondo o capacete na cara e empunhando a espada. O som de espadas e de metais a bater era constante à medida que o duelo avançava. 


A certa altura Peter caiu ao chão e conseguiu por sorte desviar-se dos golpes de Miraz e quando finalmente se conseguiu levantar parecia ter deslocado o ombro. Em seguida ouviu-se o som de cascos e vindos da floresta apareceram Caspian e Susan montados no cavalo, sem sinais de Lucy. Então Caspian não conseguira evitar ir ter com elas à floresta.
-Sua alteza precisa de um descanso? - perguntou Miraz.
-Cinco minutos - pediu Peter.
-Três - indagou Miraz. Assim, Miraz dirigiu-se aos telmarinos e Peter a Edmund, Susan e Caspian.
-A Lucy? - perguntou ele a Susan e Caspian quando saíram do cavalo.
-Conseguiu avançar - disse Susan. Peter olhou para Caspian.
-Obrigado. 
-Tu estavas ocupado - respondeu Caspian, humilde. Trocaram mais algumas palavras e Susan correu de encontro aos narnianos, posicionando-se junto aos arqueiros, nomeadamente Trumpkin. Depois ouvi Peter dizer a Edmund:
-Estiveste sempre ao meu lado e eu nunca... - mas foi interrompido por Edmund, que conseguiu colocar o ombro de Peter de volta ao lugar.
-Deixa isso para depois - replicou Edmund.
Finalmente, acabou a pausa e Peter e Miraz voltaram ao círculo de ruínas. A luta recomeçou e Miraz atacou em força e em pouco tempo derrubou Peter, que se conseguiu levantar. Continuaram a lutar até Peter atingir Miraz numa perna, onde este já estava ferido. Miraz caiu de joelhos no chão, dizendo:
-Pausa!
-Peter, não é hora para cavalheirismos! - gritou Edmund. Peter nada fez e virou-se, mas Miraz levantou-se e preparou-se para atacar. Peter bloqueou-lhe o ataque e golpeou Miraz, que novamente caiu no chão de joelhos. Peter preparou o golpe fatal, mas hesitou. 
-Qual é o problema, rapaz? - instigou Miraz - és cobarde demais para tirar uma vida?
-Não me cabe a mim tirá-la - respondeu Peter, estendendo a espada a Caspian, que, também um pouco hesitante, avançou e pegou-lhe. Quando Caspian se preparava para golpear Miraz, este disse:
-Acho que me enganei. Talvez tu tenhas as qualidades de um rei telmarino, afinal. 
Gritando, Caspian avançou, espetando a espada mesmo em frente a Miraz, num tufo de relva. 
-Não igual a ti - disse ele - só quero devolver aos narnianos o reino deles.
Caspian virou-lhe costas e foi saudado pelos narnianos, que irromperam em festejos. Eu, no entanto, fixei o olhar num telmarino que se aproximou de Miraz e após uma breve troca de palavras entre os dois, o telmarino espetou uma seta em Miraz. Os narnianos interromperam os festejos e ficou tudo calado, vendo Miraz cair no chão, morto, até que o telmarino que lhe espetara com a seta berrou:
-Traição! Lançaram contra ele! Assassinaram o rei!
Peter, vendo que aquilo ia acabar mal, gritou aos narnianos:
-Preparem-se!
Olhei para Ben, vendo que a batalha ia começar. Ele assentiu levemente a cabeça, e soube que tínhamos feito as pazes. Os telmarinos começaram a lançar pedras através de catapultas para cima de nós. Muitos narnianos tinham ficado dentro da caverna por causa do plano, e de certeza que sentiram a terra estremecer. 
Finalmente, os telmarinos avançaram com os cavalos. Susan preparou os arqueiros e uma chuva de setas voou de encontro a eles. Sentia o meu coração a bater a mil quando desembainhei a minha espada. Caspian entrou dentro da caverna, fazendo sinal aos narnianos lá em baixo para golpearem os pilares de pedra, o que faria a terra desabar e os telmarinos caírem.



Assim foi, e alguns recuaram, mas outros começaram a levantar-se.
-Atacar! - gritou Peter e as minhas pernas começaram a mover-se sozinhas, impelindo-me para Edmund.
-Edmund! - chamei. Ele virou-se para trás, a espada na mão.
-Mantém-te a salvo - pedi. Ele sorriu.
-Tu também - disse ele. Percebi que não conseguia deixá-lo ir sem mais nada, lembrando-me da aflição com que ficara quando ele fora anunciar o duelo a Miraz. Por isso, não me importando com mais nada, aproximei-me e pousei os meus lábios nos dele. Após um segundo, ele correspondeu e o meu coração começou a bater ainda mais depressa. O beijo foi fugaz, mas intenso e apaixonado. Afastámo-nos, sorrimos, ele subiu para o seu cavalo e eu avancei para a batalha.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Volta para mim

-Podemos propor a Miraz um duelo até à morte - disse Caspian - apesar de ele poder recusar, pois tem as melhores armas e o maior exército, vai ser difícil dizer não à frente de todos, pois não vai querer mostrar parte fraca e se recusar, os outros interpretarão isso como tendo medo.
Peter meditou no seu plano durante algum tempo.
-Tens razão. É uma boa ideia. Desafiá-lo-ei para lutar comigo num duelo até à morte e a recompensa será total rendição - afirmou ele.
-Peter... - interferiu Susan, preocupada.
-Não te preocupes, Susan. Ele é mais velho, vai cansar-se mais depressa - declarou Peter.
-Mas tem mais experiência - redarguiu ela. 
-Eu consigo fazer isto - disse Peter com determinação e nem Susan ousou ripostar quando viu o seu olhar feroz e decidido - Edmund, tu, um dos gigantes e Glenstrom levarão um comunicado a Miraz a propor o duelo.
Isso deixou-me algo inquieta. Miraz era homem para matar Edmund assim que ele lá chegasse, mas vendo a cara de orgulho de Edmund por o irmão mais velho o ter destacado para aquela missão, não consegui dizer nada. Assim, quando Peter acabou de escrever o comunicado e o entregou a Edmund, que saiu da sala e se dirigiu lá para fora, não esperei pelos outros nem pensei em Ben. Corri atrás de Edmund, agarrando-o à entrada da caverna. Os outros vieram atrás de mim, e Ben parecia ir ripostar, mas ouvi Caspian a mandá-lo calar.
-Edmund... - murmurei eu, sem conseguir decidir o que havia de dizer. Ele sorriu-me apaziguadoramente, mas ao mesmo tempo com um sorriso travesso. 
-Estás com medo que o Miraz me magoe? Não tens confiança suficiente no melhor esgrimista que conheces?
-Então devias ser tu a lutar com Miraz e não Peter - repliquei, sorrindo, mas depois fiz uma cara séria - mas a sério, Edmund, sê cauteloso. Não gostaria de não ter ninguém com quem lutar tão avidamente. 
-Melanie, em tempos fui Rei. Sei ser cauteloso. Não te preocupes, tudo vai correr bem - ele sorriu-me e depois preparou-se para ir ter com o gigante e com Glenstorm, que o esperavam mais à frente, mas antes disso, deti-o e abracei-o. Não suportava vê-lo ir-se embora, sem saber o que lhe podia acontecer, embora todos me garantissem que Miraz não lhe faria nada. Na verdade, apetecia-me fazer mais do que abraçá-lo, mas não tinha coragem, embora os meus olhos tivessem vacilado entre os seus olhos e os seus lábios. Ele abraçou-me de volta, um pouco admirado. 
-Volta são e salvo... - murmurei, com a cabeça encostada no seu peito, e depois baixei tanto a voz que fiquei com a impressão de que ele não ouviu - para mim.
Mas depois ele disse:
-Assim o farei - ele sorriu-me mais uma vez, o que me fez corar imenso e depois seguiu o gigante e Glenstorm até à linha do inimigo. Virei-me, corando ainda mais quando vi toda a gente a olhar-me. Peter, Susan, Lucy e Caspian sorriam, mas Ben tinha uma expressão furiosa.
-Agora não me digas que não se passa nada entre ti e ele! - gritou ele tão alto que fiquei com a sensação que Edmund tinha ouvido, apesar de já estar tão longe.
De súbito, fiquei farta da proteção e controlo exagerados de Ben. Se eu queria estar com Edmund, não seria Ben que me impediria! 
-E se passar, qual é o problema? – berrei em resposta – não tens nada a ver com isso!
Ainda o ouvi gritar em resposta “Tenho si, sou teu irmão”, mas afastei-me em direção às ruínas, para ver melhor se Edmund e os outros já tinham chegado até ao inimigo.
-Não ligues ao Ben – disse Caspian, aproximando-se, que já voltara a dar-se com Peter.
-Mas ele consegue ser tão irritante às vezes.
-É normal que ele se preocupe contigo. Se eu tivesse uma irmã, também não gostaria de a ver apaixonar-se pelo meu inimigo de escola – declarou Caspian.
-Mas eles não têm razões para serem “inimigos”! E eu não me estou a apaixonar pelo Edmund! – contestei.
-Tens a certeza disso? – sorriu Caspian.
-Eu não posso… - murmurei.
-E porque não? – indagou Caspian.
-Porque… - mordi o lábio inferior – porque ele é um rei, e eu sou apenas uma rapariga normal. Porque ele não vai querer alguém desinteressante como eu. Por causa do Ben, também.
-Não devias pensar assim – disse Caspian – eu, como rapaz, acho-te muito interessante. És lutadora e determinada, e tens uma personalidade forte. Na minha opinião, acho que o Edmund também gosta de ti. E já te disse para não ligares ao Ben. Mais cedo ou mais tarde ele vai ter de perceber que és tu quem decide o que queres, e se escolheres o Edmund, o Ben não te pode impedir. 
-Porque é insistes tanto em mim e no Edmund? - inquiri.
-Porque vocês ficam bem juntos. E fazem bem um ao outro. Olha, vêm ali - Caspian apontou em frente, onde constatei, aliviada, que, de facto, Edmund, Glenstorm e o gigante regressavam, com um ar satisfeito, pelo que Miraz deve ter aceite a proposta. Tinha ficado com tanto medo de Edmund ser morto que jurei a mim mesma que da próxima vez que houvesse um conflito em que não teria a certeza se ele voltaria, faria aquilo que já quisera fazer. E apercebi-me que não o quisera fazer apenas quando o abraçara há pouco, mas pelo menos desde o momento em que ele me tirou do castelo de Telmar e talvez até antes disso, quando o vira em tronco nu no dia em que chegáramos a Nárnia. 
-Aceitaram - afirmou ele quando chegou ao pé de nós. 
-Miraz é traiçoeiro, é provável que tente fazer batota - declarou Caspian, mas eu não estava realmente a ouvi-lo. Os olhos escuros de Edmund fitavam os meus, o que me fazia sentir arrepios quentes - vou avisar os outros.
Caspian deu meia volta e foi-se embora. 
-Lamento que tu e o Ben se tenham chateado por minha causa - afirmou Edmund, que provavelmente, como eu previra, ouvira a discussão barulhenta que eu e o meu irmão havíamos tido.
-Esquece isso. Agora temos de nos concentrar nos telmarinos.
-Mas, Melanie, se o duelo acabar mal e houver uma guerra, certifica-te que fazes as pazes com o Ben antes. Não vais querer ficar chateada com ele se lhe acontecer alguma coisa – avisou-me Edmund.
-Ok, Edmund, obrigada – agradeci, sabendo que o que ele dizia era verdade.  
-Espero que o Peter ganhe. Não suportaria ver o Peter…
-Edmund, sei que não deixarias as coisas chegar a esse ponto. Mesmo que isso significasse um desrespeito pelas regras e acabasse em guerra, não deixarias o teu irmão morrer enquanto assistias – aleguei.
-Parece que me conheces melhor do que eu próprio – sorriu Edmund.
-É, há pessoas que têm esse efeito em nós – sorri eu em resposta, corando quando ele me olhou fixamente, com o seu olhar quente e enigmático que me fazia tremer da cabeça aos pés. Deus, o que é que se estava a passar comigo? Porque é que aquele rapaz me influenciava assim tanto, porque é que mexia tanto comigo? Caspian não estava certo ao afirmar que eu estava apaixonada por Edmund, pois não? Ou estava?

Planos

Dentro da caverna, parecia haver tanto a fazer, mas eu não era útil em nada. Havia vários feridos a curar, mas eu nunca fora boa nisso, e agora não tinha Asaf para conversar. Não sabia onde estava Ben ou Caspian, nem os Pevensie sem ser Edmund e Susan, que ainda deviam estar lá fora.
Assim, caminhei até ao fundo da sala principal, passando por mesas com espadas forjadas que me faziam lembrar Asaf e sentei-me no chão frio. Pouco depois, alguém se sentou a meu lado.
-Ele deu-ta, não foi? - perguntou o meu irmão - o Edmund. Deu-te a espada.
Não valia a pena negar, pelo que questionei:
-Como é que sabes?
-Não a tinhas a noite passada, quando invadimos o castelo, mas vinhas com ela depois de teres estado com o Edmund, pelo que ou tinhas encontrado a espada no castelo ou Edmund ta dera - declarou Ben.
-O meu irmãozinho anda a ficar esperto, hã? - gracejei eu.
-Que é se anda a passar entre vocês os dois? - interpelou ele - ou já vem desde os tempos da escola?
-Não, Ben, e não se anda a passar nada. Ele apenas me tirou do castelo, só isso - argumentei, tentando ignorar o meu ritmo cardíaco, que acabara de aumentar.
-Tu percebes que ele é, dos quatro Pevensies, aquele em que se pode confiar menos, certo?
-E então, porquê? - inquiri.
-Porque ele traiu os irmãos na primeira vez que vieram a Nárnia - alegou Ben. Engoli em seco. Sabia que na história que lera um dos irmãos traíra os outros, mas nunca pensara nesse facto até ali - e traiu-os por doces. A Feiticeira Branca dava-lhe doces e prometia-lhe que o tornaria Rei caso ele levasse os irmãos até ela.
-Está bem, mas ele arrependeu-se, não foi? - repliquei, lembrando-me do que acontecera ao rapaz na história - lutou contra a Feiticeira Branca na batalha e foi coroado rei de Nárnia, algo que não teria acontecido se ele não tivesse mudado mesmo e continuasse a ser um traidor. E agora está ao lado dos narnianos. Toda a gente merece uma segunda oportunidade.
-Apenas não quero que te magoes – proferiu Ben.
-Afinal, por que razão é que vocês lutavam, na escola? Nunca o cheguei a perceber – admiti. Ben ficou calado durante muito tempo, meditando no que havia de dizer. Por fim, disse apenas:
-Por causa de uma rapariga.
Engoli em seco, sentindo uma pontada de ciúmes. Quem seria essa rapariga? Provavelmente alguém por quem ambos tinham uma paixoneta.
-E todas as lutas que houve foram sempre por causa dela? – interroguei.
-Bem, nem todas – respondeu Ben – de facto, agora que penso nisso, eu e Edmund lutávamos por tudo e por nada. Bastava que ele fizesse ou dissesses algo que me irritasse para nos começarmos a provocar e a atacar, ou então era eu que provocava e tudo era pretexto para lutarmos. Como daquela vez, enquanto jogávamos futebol, que lhe preguei uma rasteira inocente ou quando ele se riu por eu ter falhado o penálti. Mas, sabes, as maiores lutas eram aquelas que começavam por eu o ter apanhado a olhar para… - Ben desviou o olhar, subitamente embaraçado – a rapariga.
-Oh, Ben, por causa disso? Agora ele não pode olhar para quem quer? Ou ele também te batia quando tu olhavas para ela?
Ben fez uma expressão estranha.
-Eu não olhava para ela da maneira que ele olhava, podes ter a certeza disso.
Encolhi os ombros.
-Vai dar ao mesmo. Será que vocês não são capazes de dialogar?
Foi a vez de Ben de encolher os ombros. Depois ouvimos um ruído parecido com o estilhaçar de vidro. Eu e Ben levantámo-nos, e vimos os quatro Pevensies, Trumpkin e Caspian a saírem da sala onde estava a Mesa de Pedra e o retrato de Aslan. Vinham todos com cara de poucos amigos. Caspian passou por nós e saiu lá para fora.
-O Nikabrik morreu – declarou Trumpkin.
-Que aconteceu? – questionou Ben.
-O Nikabrik trouxe um lobisomem e uma bruxa para invocarem de novo a Feiticeira Branca, para derrotar os telmarinos – explicou Susan – e tudo o que ela precisava era de uma gota de sangue de um filho de Adão. Tentou primeiro com Caspian, depois com Peter, mas eles revoltaram-se e lutaram contra eles. Nikabrik tentou apunhalar Lucy, mas Trumpkin matou-o. E depois o Edmund espetou a espada contra a parede de gelo onde se encontrava a Feiticeira Branca, e o gelo quebrou-se e assim ela desapareceu.
Olhei para Ben como que a dizer-lhe “eu disse-te que ele mudou”, mas ele ignorou-me. Não me parecia que ele fosse alguma vez mudar completamente de opinião acerca de Edmund. Depois Peter voltou para dentro da sala da Mesa de Pedra, Lucy seguiu-o e Susan foi ver de Caspian.
-Trumpkin, queres ajuda com o corpo do Nikabrik? – inquiriu Edmund.
-Eu posso ajudá-lo com isso – ofereceu-se Ben, não querendo ficar atrás de Edmund. Revirei os olhos, imaginando que seria por coisas daquelas, insignificantes, que eles começavam sempre a lutar.
-Deixe-se estar, rei Edmund, o Ben ajuda-me – disse Trumpkin e partiram os dois. Ben devia estar tão concentrado em não ser ultrapassado por Edmund que se esquecera que eu ficara sozinha com ele.
-Desculpa não ter ajudado. Se eu soubesse… - comecei eu, mas Edmund interrompeu-me.
-Tu não sabias. Sei que terias ajudado. Até o teu irmão teria.
A menção de Ben fez-me lembrar a rapariga por quem eles tanto discutiam. Eu conhecê-la-ia? Seria da minha escola? Talvez fosse até da minha turma! Se calhar era aquela com quem Ben estava quando eu o chamara para apanhar o comboio… 
-Queres treinar? – perguntou Edmund – isto, claro, se o teu irmão não se importar…
-Ele não é meu pai – contrapus – e cá para nós, tu és com quem eu mais gosto de esgrimir, porque és o que dás mais luta.
Edmund esboçou um meio sorriso travesso.
-Estás a admitir que eu sou o melhor?
-Não sabia que eras assim tão convencido! – ripostei.
-Só contigo – replicou ele, mas calou-se abruptamente.
-Estás a corar! – ri eu, pois não sabia que outra coisa podia fazer.
-Não estou! – argumentou ele, saindo lá para fora. Segui-o e provavelmente não devia ter-me rido dele pois ele aproveitou para me dificultar ainda mais a vida enquanto esgrimíamos. 
A certa altura, Edmund estacou. Eu encontrava-me de costas para a floresta, pelo que só quando me virei, sem considerar a possibilidade de aquilo poder só um truque de Edmund para me enganar e atacar, é que vi o que fizera Edmund parar. Um exército de telmarinos saía da floresta para o prado, em direção à caverna de Aslan.
-É melhor avisar o Peter e os outros que os telmarinos estão a chegar – disse Edmund, desaparecendo para o interior da caverna. Depois ele, os Pevensie, Caspian, Trumpkin e Ben juntaram-se a mim, enquanto observávamos o gigante exército deles a ordenar-se a vários metros de distancia de nós.





Rapidamente, reunimo-nos todos na sala da Mesa de Pedra para delinear um plano. 
-Com mil bombas, é esse o teu grande plano? - questionou Trumpkin a Peter após ele nos ter contado o que pretendia fazer - mandar uma menina, pela floresta escura, sozinha?
-É a nossa única hipótese - contrapôs Peter, que queria mandar Lucy e Susan pela floresta de forma a poderem encontrar Aslan. 
-E ela não vai estar sozinha - afirmou Susan. Trumpkin aproximou-se de Lucy, olhando-a nos olhos.
-Já não morreram demasiados de nós? - perguntou.
-Nikabrik também era meu amigo - interveio Trufflehunter, o texugo - mas ele perdeu a esperança, e a rainha Lucy não, e muito menos eu.
Com isto, Reepicheep, o rato, desembainhou a sua espada, dizendo: 
-Por Aslan.
-Se é assim, vou contigo - disse Trumpkin a Lucy.
-Não, precisamos de ti aqui - declarou ela.
-Temos de os empatar até a Lucy e a Susan voltarem - alegou Peter. 
-Perdão - intercedeu Caspian e Peter olhou para ele com transtorno - Miraz pode ser um tirano, um assassino, mas como rei, está sujeito às tradições e expectativas dos seus súbditos. Existe uma em particular que nos pode dar algum tempo.
Olhámos todos para ele, expectantes, à espera que prosseguisse.